sexta-feira, 28 de agosto de 2015

ORÍ MÉJÌ – Duas Cabeças em apenas um corpo?

Hoje gostaria de expor um tema polêmico, muito debatido nas redes sociais, da qual está abarrotada de falsas informações, equívocos e conceitos distorcidos.

O termo Orí Méjì é comumente usado entre o povo de santo para designar indivíduos que possuam a duplicidade de Òrìṣà, em uma única cabeça. Para um melhor entendimento se faz necessário esclarecer que quando adjetivo o termo Méjì significa: dois, duas, casal, par, gêmeos, porém quando quando o referido termo se trata de um substantivo tem o significado de equivoco, falsidade.

Sabemos perfeitamente que durante o complexo e elaborado Rito Iniciático, o ápice da cerimônia será a consagração do noviço através do Òṣù – um amalgamado de substâncias mágico religiosa, do qual denomino de maneira mui particular, o DNA MÍTICO, ou seja, a substância mítica que carrega em si a individualização do Òrìṣà a ser consagrado. Essa junção e misturas de elementos sagrados, será fixada em um ponto preciso e especifico na cabeça do noviço. Obviamente não poderá existir “duas massas distintas” pois em todas as cabeças existem apenas um “ponto exato” destinado a receber o Òṣù.

Esse suposto “ìyáwòrìṣà orí méjì” receberia de que forma dois “Òṣù distintos de dois Òrìṣà distintos” em uma única cabeça física?

Outro fator importante a ser mencionado, é o fato daqueles que se submeteram a suposta “cerimonia de iniciação e consagração de um orí méjì” carregar e receber tudo em duplicidade, ou melhor dizendo, “tudo aquilo que um Òrìṣà receber o outro também receberá em absoluta igualdade”. Com exceção do mais importante entre todos eles o Òṣù.

Se realmente existe a necessidade e obrigatoriedade de ser iniciado e consagrado dois Òrìṣà diferentes em uma única cabeça, que não seja em uma única cerimonia de iniciação e sim em duas, pois em meu conhecimento e entendimento, não existe nenhuma possibilidade de iniciar uma pessoa para duas divindades em uma única vez.

Acredito que uma única pessoa possa ser iniciada e consagrada a várias divindades, quantas forem necessárias, como ocorre em território africano, do qual se trata de uma pratica comum entre os iorubás, embora não seja aceita e até mesmo muito criticada na tradição afro brasileira.

Podemos assentar, cuidar, zelar de quantos Òrìṣà forem necessário em nossa jornada religiosa, mas se formos iniciado e consagrado apenas uma única vez, pertenceremos a uma única Divindade Tutelar.

Não sou, não fui, não pretendo ser e nunca serei o “Dono da Verdade”; então o que aqui acabo de relatar é apenas o meu ponto de vista em particular e sempre respeitando os demais, sobre tudo aqueles que de certa forma se julguem Orí Méjì e aqueles que os iniciaram nos mistérios das religião.

Um forte abraço a todos.


Baba Guido Olo Ajaguna.

segunda-feira, 17 de agosto de 2015

Ìyá Apáòka do Mogno africano no Velho Mundo para a Jaqueira no Novo Mundo...

Os mitos relatam que existiam três anciãs conhecidas pelos nomes de Ìyá Apáòka, Ìyá Mepere e Ìyá Bokolo, que habitavam, muito antes da fundação da Cidade de Ketu, uma cova localizada nas profundas raízes do imenso Òpó Mẹ́ta Ọ̀gàwó, ou seja, três robustos troncos de mogno africano, uma árvore africana da espécie Khaya grandifoliola da família das Meliaceae. Importante ressaltar que essas três Divindades foram de grande importância para a fundação da Cidade de Ketu.

Quando os descendentes da Cidade de Ketu chegaram ao Brasil, teriam que “acomodar” os fundamentos de Ìyá Apáòka, e assim fora obrigados a substituir o tradicional mogno africano, pela Jaqueira, uma árvore de origem asiática, da espécie Artocarpus intergrifolia da família das Moraceae, do qual foi introduzida no Brasil em meados do Século XVIII.

O porte da Jaqueira e a semelhança de suas folhas com o mogno africano, foram de fundamental importância para a efetiva substituição. Os antigos descendentes de escravos, lhe deram o nome de Tapónurin onde mais tarde passou a ser chamada apenas de Apáòka, em razão de ser a morada de uma divindade do mesmo nome, perdendo-se assim o seu antigo nome. Quanto ao culto à Ìyá Mepere e Ìyá Bokolo, nem sequer atravessaram o Atlântico!

O intuito desse “post” é ressaltar que várias espécies de árvores nativas do Continente Africano foram substituídas por espécies que aqui no Novo Mundo já existiam quando os Nagôs chegaram. De certo que muitas outras espécies foram trazidas por esse povo, sendo que poucas se adaptaram.

Seja nas raízes de um mogno africano ou de uma Jaqueira, Ela sempre será a mesma Divindade, a nossa Grande Mãe Ìyá Apáòka”. Vamos acabar com essa “bobagem” de africanos e neo-africanos que criticam o culto de uma de nossas mais importantes divindades dentro do candomblé afro-brasileiro, dizendo que esse ou aquele Òrìṣà só pode ser cultuado em árvores africanas. “Vocês que são africanos da nova geração, quando chegaram aqui em MEU país, já encontram o culto que seus próprios antepassados aqui deixaram”. Voltem para o seu continente e preste seu culto à Ìyá Apáòka aos pés de um mogno africano, se é que ainda exista esse culto em seu país de origem, do qual eu muito duvido.

De volta ao assunto desse “post”, em meu entendimento, se Ìyá Apáòka não deseja-se ser cultuada em um pé de Jaqueira, ela não teria saído de seu território de origem e muito menos atravessado a imensidão do oceano; e se o fizesse teria de imediato retornado ao território iorubá. De uma coisa eu tenho certeza plena e absoluta:

Ela ainda está e sempre estará entre os filhos da Nação de Ketu”... Ìyá mi O! Ìyá Nbanba! Ìyá Mọ! Ìyá Ọ̀dẹ́! Iba O!

Baba Guido Olo Ajagùnà


domingo, 16 de agosto de 2015

A TRANSEXUALIDADE MASCULINA e o SACERDÓCIO FEMININO


A transexualidade é uma daquelas questões nebulosas que pairam sobre a nossa religião. A maioria das Ìyálòrìṣà e Babalòrìṣà preferem evitar o assunto, do que entender exatamente do que ele se trata. Essa pauta é evitada e muitas vezes distorcidas, principalmente quando se trata em relação ao sacerdócio, após o indivíduo se submeter a uma Cirurgia de Reatribuição ou Redesignação Sexual, ou seja, cirurgias que possam fazer seu corpo se parecer cada vez mais com o sexo do qual um indivíduo se identifica.

O intuito desse “post”, não é desrespeitar o transexual, pois tem todo o meu respeito, ou mesmo discutir sobre o seu corpo morfologicamente inverso à sua natureza psíquica ou se prefere ser definido como homem ou mulher segundo sua composição psíquica; e sim abordar o direito de um transexual ostentar legitimamente um Título (oyè) tradicionalmente feminino, principalmente o de Ìyálòrìṣà.

O transexual se travestir-se de “baiana” dentro de um Terreiro de Candomblé Tradicional não é tão grave, quanto o fato desse admitir e permitir, seja qual for o motivo, que um “homem” exerça ou ostente um “posto feminino” dentro de nossa religião. Hoje Ìyálòrìṣà, amanhã teremos uma Ìyálàṣẹ e quem sabe num futuro bem próximo, teremos um transexual ostentando o título de Ìyá kekere, Ìyá ẹfun, Ìyárọba e até mesmo uma Ìyálọ́de.

Em meu entendimento, não acredito que um transexual seja reconhecido aos olhos de Ìyámi Òṣòròngà e de todas as Ìyágbà como uma autentica mulher, esposa, fêmea e muito menos mãe. Então, onde se fundamenta esse direito? Direito outorgado por alguém?

Somente à nível de informação, espiritualmente, dentro do contexto da transição reencarnatória, o indivíduo transexual é o que traz dissociada a sexualidade de profundidade (personalidade sexual registrada na mente) do sexo de periferia, isto é, o seu psiquismo não está harmonizado com o gênero de que é portador. Assim, sob o ponto de vista anatômico, é portador de uma polaridade sexual inter distante do sexo que sente possuir e sofre intensamente, tendo conflitos psicológicos bem marcantes. Conforme sabemos, o espírito é dotado da bipolaridade, podendo, então, animar o corpo de um homem ou de uma mulher ao reencarnar.

Sabemos que durante a construção da neovagina, os testículos e pênis são removidos e em algumas técnicas cirúrgicas, a glândula bulbouretral, bem como a próstata, são mantidas para possibilitar que a vagina perineal onde antes não existia tenha alguma lubrificação natural.

O avanço da medicina, possibilitou ao transexual a oportunidade única na mudança de sexo, foram concluídas repercussões jurídicas, mas acima de tudo, a ciência ainda não consegue alterar o DNA de um indivíduo, portanto “ele” ainda é um “ser masculino em sua essência”, mesmo que sua fisionomia e características se apresentem ao contrário. Lembrando que ambas as glândulas ainda mantidas em seu corpo fazem parte do Sistema Genital Masculino.

Baba Guido Olo Ajagùnà.






quarta-feira, 5 de agosto de 2015

Algumas informações acerca da Cerimonia do Olùgbàjẹ

A Cerimônia do Olùgbàj é exclusividade do afro-brasileiro, sua origem remota desde a época do Terreiro da Barroquinha, depois que a primeira ìyáwò de balùàiyé foi iniciada e consagrada ao Deus da Varíola. Este caminho de balùàiyé vestia-se todo de preto, inclusive o seu Àṣọ Ìkọ – roupa confeccionada em fibra vegetal ou palha da costa, denominada de Azem entre os povos da nação Jeje. Após o término do Olùgbàjsuas roupas não podia ser guardadas e deveriam ser queimadas ritualisticamente. Esta cerimônia, que durava naquela época 14 dias, foi introduzida na ritualística com a finalidade de prolongar a vida, afastando as doenças e trazendo saúde a todos os membros da Comunidade Terreiro.
A etimologia dessa palavra nos levam a seguinte interpretação, após ser desmembrada: o substantivo Olù – abreviação de Olùwa, que tem o significado de senhor, mestre, dono; em junção com o verbo intransitivo gbàj – aceitar uma comida. Um estudo nos leva à palavra Olùbáj– O termo Olù em junção com verbo transitivo báj, que significa, comer com alguém, associar-se ou manter comunicação com algum indivíduo. Outro nos leva a palavra Olùbàj– O Senhor da Putrefação, mas esse com certeza é um título de balùàiyé em relação a decomposição de um cadáver e sua relação com Eṣinṣin a mosca varejeira. Alem de que a maior parte das doenças sob seu domínio, degeneram os tecidos dos seres humanos ainda em vida. No tradicional cântico dessa cerimônia: a palavra A! – interjeição, expressando alegria surpresa, admiração e contentamento; A – pronome, contração de Awa, nós (1ª pessoa do plural); Jẹun – verbo intransitivo comer, se alimentar; Bọ – verbo intransitivo, retornar, chegar e vir; e Aràiyé – substantivo que significa povo ou humanidade.
Como sempre digo: “cantiga de candomblé, não se considera apenas a tradução e sim a interpretação”, então vou deixar para que cada leitor, faça a sua interpretação de acordo com o seu entendimento, pois não sou o “dono da verdade absoluta”. Seja qual for a palavra, Olùgbàj ou Olùbáj, ambas designam um ritual onde são servidos alimentos aos participantes em uma verdadeira comunhão com o Òrìṣà balùàiyé, ou seja em minhas palavras, um legitimo e autentico Abánijẹun – Aquele que reparte o mesmo prato com outro.
Muito tem se discutido a quantidade e as iguarias que devam ser oferecidas durante a cerimônia, suas variedades e tipos, diferem de uma linhagem a outra. O mais tradicional de todos, chegam num total de vinte e uma comidas, sendo sete de caráter publico e quatorze de caráter privado, das quais permanecem acomodadas dentro do Ile Iji – A Casa de balùàiyé .

Sabemos que as de caráter publico são:
  1. Feijão fradinho cozido e refogado.
  2. Feijão preto cozido e refogado.
  3. Milho de galinha cozido em água com sal.
  4. Acaça branco.
  5. Milho de canjica branco cozido.
  6. Acarajé.
  7. Carne dos animais oferecidos, cozidos e refogados.

Todas essas comidas serão acomodadas no chão, ao lado de fora do salão principal e servidas a todos os presentes, em Ewé Lara – folha de mamona, e o que nela sobrar, será depositada em um grande balaio de palha, que se transformará em um grande “carrego”.
Tradicionalmente, um Terreiro de Candomblé só tem o direito de realizar a referida cerimonia, se nele existir um ou mais filhos de balùàiyé, ou seja, não se “pega emprestado” de casa alheia, ou que o dirigente do terreiro pertença a esse Òrìṣà.

Um fraternal abraço a todos.

Baba Guido Olo Ajagùnà.



terça-feira, 4 de agosto de 2015

Ṣaṣara ọwọ – O Cetro de Ṣopọnnà



Wárin Warifun aara Ile wò Olorinjena wò Wárin Warifun aara Ile wò 
Olorinjena wò

Homenagear um Rei Superior, o aara na casa cuida de um doente e previne as enfermidades Senhor de Ijena a cidade mítica de Ṣopọnnà”

O emblema ritualístico mais importante do Culto à Ọbalùàiyé é denominado de aara w. Trata-se de um atado de nervuras de folhas da palmeira; revestidos de tecidos e palha da costa; ornamentados com uma grande quantidade de búzios, ostentando opulência e as mais diversas contas; onde dentro deste acomoda-se um de seus maiores enigmas, o segredo da vida e da morte, a cura ou a proliferação das doenças, sobretudo as que alteram a temperatura corporal do enfermo.

Os feixes dentro do corpo do aara representam coletivamente os ancestrais, os mortos contidos na terra. Devem ser confeccionados sob os cuidados do Sumo Sacerdote do culto, denominado de Asogba, pois ele está altamente qualificado e preparado para manipular representações tão poderosas.

Tem a finalidade de controlar os Espíritos da Terra para o seu espaço sagrado, eliminar as energias negativas da comunidade, sobretudo as doenças, proporcionando a longevidade. Nele esta o segredo da vida e da morte, a cura ou a proliferação das doenças, sobretudo as que alteram a temperatura corporal do enfermo. Quando as doenças são liberadas do, este tem como desígnios divinos ou punição de uma comunidade no intuito de uma renovação de vida.

Em algumas linhagens o aara de mlu se diferencia ao utilizado por Ọbalùàiyé do qual contém um detalhe a mais, a ponta de uma lança em sua extremidade e suas cores são características, o preto e o branco.

O aara que não tenha sido preparado adequadamente, através das cerimônias de consagração, não passa de um simples ornamento e longe de ser um “objeto sagrado”. Podemos claramente observar belíssimas obras de artes, nas mais variadas Casas de Artigos Religiosos. Exemplares esplendidos por fora, porém “ocos de sagrado” por dentro.

Baba Guido Olo Ajaguna


ṢAGBEJẸ - O Tabuleiro Mitico de Ọbalùàiyé

Antigamente no mês de agosto, esperávamos ansiosamente a visita de Ọbalùàiyé em nosso Terreiro de Candomblé, ou seja, a chegada do agbej. Hoje raramente presenciamos esse rito e costume perdido no tempo. Descrevo um pequeno resumo de uma cerimônia da qual considero extinta ou quase que extinta.

O DIA DO ṢAGBEJ

Cerimônia afro-brasileira, onde as mulheres em um tabuleiro forrado com milho-alho estourados, das quais elas denominam de “flor do velho”, carregam o principal emblema de balùàiyé o aara-w seus colares de conta, terra cota, corais e búzios. Este “tabuleiro” a representação mítica desta divindade, visita sete Terreiros diferentes durante os sete dias que antecedem os Ritos do Olùbàj. Ao chegar a cada Terreiro, este será recebido ritualisticamente onde serão entoadas orações e rezas à balùàiyé e Nàná. Durante este ritual, será depositado aos pés do tabuleiro, senão aos próprios pés de balùàiyé grãos e uma quantia em dinheiro que serão de uso exclusivo nas despesas do Olùbàj. Cada membro do Terreiro receberá uma porção de gbùgbùrù (pipoca) e desta saberá como proceder.

Interessante notar que a palavra agbe – significa pedir esmola e a palavra j – comer; então a palavra agbej poderia perfeitamente ser interpretada como “pedir esmolas para comer”. Obviamente que não podemos levar a palavra “esmola” num sentido pejorativo e sim entender que há uma troca entre o homem e a divindade. Troca esta que ao darmos grãos e dinheiro para comprar “comida” para “O senhor da terra” este nos dá um de seus principais grãos que nutrem o homem – o milho. Os antigos dizem que aqueles que participam do terão vida próspera e nunca há de faltar comida em casa, pelo menos os grãos.
Quando da Cerimônia do Olùbàjé este “tabuleiro” será apresentado no salão, carregado por ya, onde será distribuído uma porção de gbùgbùrù e muitos que recebem o milho, em gratidão acabam por depositar algumas quantias em dinheiro sobre os grãos. Em algumas linhagens o agbej sai antes da “mesa” e em outras depois da “mesa”.

Por favor não confundam o agbej com aquelas pessoas vestidas de baiana que ficam com uma peneira em pleno sol do meio dia, distribuindo milho de pipoca americano e arrecadando dinheiro. Este tipo de procedimento nada tem haver com a nossa ritualística.

Um forte abraço a todos


Baba Guido Olo Ajaguna