quinta-feira, 7 de julho de 2016

A SAGRADA CERIMÔNIA DE PURIFICAÇÃO NAS ÁGUAS



Elemento de suma importância,
a água é o princípio da vida”.



A água é considerada o símbolo da purificação na maioria das religiões, incluindo o Hinduísmo, Cristianismo, Judaísmo, Islamismo, Xintoísmo e Wicca. Os ritos de “batismos” nas mais diversos seguimentos religiosos, são praticado na água; esta simboliza o “rito de nascimento” de um novo ser, a passagem para a vida religiosa, pois as maiores partes das culturas consideram a água a “canal que nos conecta com a espiritualidade”.

Nesse new post, focaremos apenas nas religiões de matrizes africanas, sobretudo nos descendentes dos Iorubas no Novo Mundo.

No Brasil ou em Cuba, assim como do outro lado do Atlântico na “Mãe África”, as mais diversas cerimônias de purificação dos noviços realizados nas águas, antecedem todos e quaisquer ritos de iniciação. Sabemos que os ritos as divindades do panteão africano são regionais e diferem de um local para outro; mas em seu contexto religioso tem uma única finalidade: a de purificar, harmonizar, energizar nosso corpo; ainda acrescento “defender nosso corpo de energias nocivas. Enfim uma cerimônia que tem como principal finalidade a de levar embora o que não tem mais serventia para a nossa nova vida religiosa”.

Em território iorubano esta ritualística tem a denominação de Anlodò e Pierre Fatumbi Verger em sua celebre obra ORIXÁDeuses Iorubás na África e no Novo Mundo a descreve da seguinte forma:
Cedo pela manhã, realiza-se o que se chama Anlodò “vamos ao riacho”, quando os noviços, homens e mulheres, saem do Igbo. Eles caminham, um atrás do outro, no estado de entorpecimento do qual falamos anteriormente. Um grande pano branco àlà, é mantido sobre suas cabeças; estão todos vestidos de panos esfarrapados e entram no recinto consagrado a Xangô, onde cada um deles recebe uma jarra contendo infusão de folhas dedicadas ao Orixá. Quando saem dali Ìyá àngó e algumas iniciadas já antigas sobre a cabeça dos futuros elégùn uma rodilha de fibras, usadas na África como esponjas vegetais. Em cada uma dessas rodilhas foram presos uma fileira de búzios e um pintainho de alguns dias, amarrado pelos pés. As jarras são colocadas por cima Ìyá àngó e suas ajudantes. Elas tem o cuidado de colocá-las três vezes seguidas, antes de deixá-las ali. A fila de noviços forma-se de novo e dirige-se, acompanhada pelas mulheres encarregadas da iniciação e por um conjunto formado de atabaques bàtá ou de cabaças agbè. Esse pequeno grupo dirige-se a um riacho, ou uma lagoa, situado no meio de uma floresta sagrada da vizinhança. Os noviços vão com o corpo inclinado para frente e a cabeça levantada para manter o equilíbrio da jarra. Caminham dançando, seguindo o ritmo dos atabaques, e de vez em quando esboçam alguns passos mais firmes, com os joelhos dobrados. Muitas vezes, um elégùn de Exu precede o cortejo para que nada de desagradável aconteça. As iniciadoras e os noviços são os únicos a penetrarem na floresta. Os músicos e as pessoas da escola param e esperam na proximidade. À beira do rio, ou da lagoa, fora construída uma pequena cabana de folhas de palmeiras. No centro, fora cavado um buraco e coberto com alguns galhos, formando uma grade. A terra retirada da escavação fora deixada ao lado, em forma de montículo. Cada noviço deve ficar em pé um após outro, em cima da grade improvisada sobre o buraco, e a jarra é colocada em cima do montículo. O iniciado é então despido e seus trapos são jogados no fundo do buraco. Seu corpo é lavado com água contida na jarra e esfregado com a rodilha os búzios e o pintainho, que, não resistindo a esse tratamento, não demora a morrer. Tudo isso é depois jogado no buraco. A operação consiste, ao mesmo tempo, num sacrifício de substituição e de purificação das faltas que tivessem podido, manchar o passado dos noviços. Assim, uma vez purificado, seu corpo é enxaguado com a água do riacho e vestido com um pano branco. Colocam-lhe na cabeça uma nova rodilha e a jarra contendo agora água do riacho. Quando o último dos noviços terminarem essa obrigação, tornam a fechar, socando a terra com os pés. O abandono das roupas velhas, substituídas pelos novos panos brancos, é um símbolo da rejeição do passado e da passagem para uma visa nova e dedicada ao Orixá.

Lidia Cabrera em sua magnifica obra IEMANJÁ & OXUM – Iniciações, Ialorixás e Olorixás denomina a cerimônia de purificação no rio de wo ti omorisha luwe odo e a descreve em ricos detalhes:

Efetuando o ebo de entrada, na hora em que o Sol vai se pôr, leva-se o omó-orixá ao rio. Em alguns ilês, prefere-se a noite ao entardecer e a purificação por meio da água viva se pratica à luz da lua ou das estrelas. Ela é conduzida pela ajibonã, segunda madrinha de assentamento, assistente da iyaré ou, caso se preferir, “a criada do santo”. Ela foi escolhida e aceita pelo orixá para este ofício de maior responsabilidade e a ela se confia o cuidado do neófito até o momento em que, já consagrado, convertido em iaô - “com santo feito” -, ele regressa a sua própria casa, levando para ela suas pedras sacramentadas, nas quais, por virtude dos ritos, se fixou um orixá em cada uma delas. A ajibonã, que além do mais será responsável por tudo aquilo que diz respeito ao lugar em que se concentrarão as forças sagradas, pelo quarto, pelo igbodu, agora vai começar a exercer funções: acompanhada de, pelo menos, duas das ialorixás mais velas, conduz a neófita ao rio. Sem “saudar”, prestar homenagem à dona do rio, sem purificar-se em suas águas, não se efetua assentamento algum. O neófito costuma levar a Oxum um pequeno caldeirão com ochinchín, um de seus pratos prediletos e outras oferendas alimentícias, igualmente gratas à deusa. Paga-lhe um direito que em Cuba, na castiça província de Matanzas, era de cinco centavos. Em seguida ele se moyuba. De yuba – prestar respeitos – criaram os crioulos o termo moyubar.

Ochun yeye mi ogo mi gbogbo ibu laiye nigo gbogbo omorisha lowe mo to si gba ma abukon ni. Omi didume nitosi omi Alafia atiyo obirin elere ache wawo atire maru acho gele nitori yo Ayaba ewa ko eleri rire atiyo. Betonicho nitosi komo nigbati wa ibulu obirin iku oko Olofi odukue.

Após saudar Oxum e explicar à ajibonã os motivos pelos quais esse omo vai assentar-se, a noviça deposita a oferenda no rio. Despojam-na de suas roupas, rasgando-as em seu próprio corpo e ela fica inteiramente nua. Os babalorixás de ocuparão do banho dos neófitos. Assistida por outras ialorixás, que presenciam o banho lustral, implorando para a futura esposa mística a proteção da deusa do rio, a jibonã dá-lhe um banho: lava cuidadosamente sua cabeça com sabão, esfrega-a, passa uma bucha em todo o seu corpo, envolvendo-a em seguida numa toalha nova e seca. A roupa, agora em frangalhos, as meias, os sapatos, a bucha e o sabão são abandonados na corrente. A toalha é guardada. Para essa purificação escolhe-se um lugar do rio em que a correnteza seja forte, levando os “despojos”. Vestida com roupas limpas, a noviça regressa ao ilê levando uma bilha de barro cheia de água. A iyaré a recebe tocando o agogô, a sineta de Obatalá, de forma curva e som mais abafado que o do adjá com que invoca Oxum e Iemanjá. “O agogô faz tan, tan, e o adjá faz, tlin tlin.” Se a pessoa que se assentar estiver muito doente e o objetivo de sua iniciação for recuperar a saúde, ela será dispensada do banho no rio, mas irá saudá-lo, acompanhada da iyaré e da ajibonã, e nele depositará a oferenda e o direito. No caso de doença grave, cumpri esse requisito irrecusável fica a critério da iyaré, que se guiará por aquilo que os deuses disponham. Com a água que a noviça leva do rio, a ajibonã a banhará em casa. É costume, em alguns ilê, não banhar os neófitos no rio estes vão fazer-lhe oferendas e recolher a água com que, em seguida, serão lavados. Em Matanzas, leva-se ao rio a pedra do orixá tutelar, que será consagrada ao omó. Ali chegando, a iá lhe pergunta:

o    O que você veio fazer aqui?
o    Buscar o santo.
o    Que santo?
o    Iemanjá ou Oxum.
o    Pois busque e jogue a pedra, de modo que a encontre sem dificuldade.


A pedra é introduzida na bilha e levada para a casa. Sempre se recolhe a pedra no rio, que se leva dentro da pequena bilha. É costume da ajibonã, ao oficiar no rio, ascender uma vela para proteger-se. “Para dar cobertura ao passo”, como costumam dizer. Afastar o mal.



Dentro dos ritos afro-brasileiros, a cerimônia de purificação no rio, denominada entre o Povo-de-Ketou de Balùw assemelha-se com os ritos de matriz e do afro-cubano. Importante ressaltar que a palavra Balùw esta averbada nos dicionários Iorubá-Português com a tradução de “banheiro”, mas não os locais aonde fazem nossas necessidades fisiológicas e sim aonde nos lavamos. Em alguns Terreiros esse “recinto sem porta e sem telhado” esta localizado próximo a uma fonte ou poço artesiano e inúmeras vezes ouvi dos mais velhos chamar esse local de ZáKá

Essa cerimônia diverge muito de uma linhagem a outra conforme os costumes da família-de-santo. Citarei alguns pontos, dos quais julgo necessário para uma melhor compreensão das mais variáveis formas de se realizar um mesmo ritual, que tem como finalidade única a de purificar o futuro iniciado.
o    Algumas ramas preferem realizar esse rito durante o dia, enquanto outras a noite...
o    Os locais são os mais variáveis possíveis, ou seja, poços artesianos, fontes, nascentes, rios, lagoas e cachoeiras...
o    Raros são aqueles que pagam tributos as divindades das águas...
o    Alguns preferem “despachar” as roupas rasgadas enquanto outros a recolhem novamente para ser utilizadas em determinado momento dos ritos de iniciação...
o    A cuia para banhar, o sabão para lavar e a bucha vegetal para esfregar o corpo da noviça são utilizadas entre as mais diversas linhagens quase que universalmente...
o    Entretanto os ingredientes utilizados no rito são mais elaborados do que outras, tais como ovo-de-galinha, quiabo, milho de canjica cozido, acaça, o pintinho e a folha-do-nativo...
o    Em algumas ramas a noviça poderá deixar parte de seu cabelo nas águas, ao contrário de outros que realizam esse ato somente dentro do quarto-da-iniciação...
o    A volta da noviça ao Terreiro envolto em lençol imaculado e carregando em sua cabeça um recipiente cheio de água natural é hábito na maioria das famílias-de-santo...
o    Trazer uma pedra ou o seixo do rio para “assentar” a divindade tutelar é raríssimo entre o povo-de-santo aquele que executam esse ato...
o    Ainda acrescento que muito dos Baba e Iyalòrìà realizam essa cerimônia em silêncio enquanto outros entoam uma série de cânticos específicos para o rito do Balùw...






Durante a procissão dos ritos das Águas de Oxalá ou Àwon Omi Òàlà o ato de depositar água da fonte ou do poço, sobre os assentamentos de Òàlà  tem precisamente o significado de iniciar e propiciar um novo ciclo. Sem adentrarmos nesse assunto, não que não seja do meu interesse, mas estaria desviando o assunto do tópico em questão. Ainda acrescento que as Águas de Oxalá iniciam o ano litúrgico da maioria dos Terreiros da Bahia. 

Não posso deixar de mencionar que em meu conhecimento e entendimento, os descendentes de africanos no Novo Mundo delegaram “territórios aquáticos” sob domínio de outras divindades e não somente de Ọ̀ṣun
A exemplo da fonte, nascente ou olho d'água dois quais pertencem aos Òrìà Funfun

o poço que nos dá acesso ao lençol d'água subterrâneo esta sob o domínio de Òàlà e Ọ̀ṣun Ìyá Omi Ibu

o percurso do rio pertence à Ọ̀ṣun e Erinl

as quedas d'água ou as cachoeiras são regidas por Òumare;

assim como a loca, as águas dentro de grutas e cavernas, pertencem a Yéwà

os charcos, banhados, poças d'água, pântanos e brejos pertencem à família de Nàná

as lagoas e as águas represadas pertencem as Ọlọ́ọ̀sà e a Otin

no encontro das águas doces com a água salgada denominada de "pororoca" esta sob o domínio de toda as Divindades Fluviais e o oceano sob a proteção de Olóòkun e alguns Ọ̀batalá que em sua essência são femininos.

Meus humildes respeitos aqueles que não realizam de forma alguma esta “sagrada cerimônia”, pois a considero de suma importância dentro de nossa religião, pois em meu entendimento as “Águas de Ọ̀ṣun” contem em sua essência, poderes curativos, adivinhatórios, protetores, purificadores e acima de tudo o mistério da fertilidade. Essa cerimônia representa a renovação, o renascimento para uma nova vida, revitaliza a conexão espiritual entre o futuro iniciado e suas divindades. Ọ̀ṣun é a divindade que representa o poder da Mãe para salvar seus filhos, que com seus poderes, permite purificar internamente aqueles que a ela recorrem. Por isso não há nenhuma cerimônia na religião Iorubá que não requeira a passagem de um iniciado pela águas de um rio.
Espero que de alguma forma tenha esclarecido o complexo “mundo das águas” das quais as divindades femininas são em maior numero de tutoras, Em outras palavras a água pertence ao elemento natural feminino, não somente dentro de nosso culto, mas em toda a vida, pois verter água sobre a terra significa não só fecundá-la, mas também restituir-lhe com seu sangue branco com o qual ela alimenta e propicia tudo que nasce e cresce.
Baba Guido Olo Ajagùnà






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