Elemento de suma importância,
“a água é o princípio da vida”.
A água é considerada o símbolo da purificação na
maioria das religiões, incluindo o Hinduísmo,
Cristianismo, Judaísmo, Islamismo, Xintoísmo
e Wicca. Os ritos de “batismos”
nas mais diversos seguimentos religiosos, são praticado na água; esta simboliza
o “rito de nascimento” de um novo ser, a passagem para a vida religiosa, pois as
maiores partes das culturas consideram a água a “canal que nos conecta com a
espiritualidade”.
Nesse new post, focaremos apenas nas religiões de
matrizes africanas, sobretudo nos descendentes dos Iorubas no Novo Mundo.
No Brasil ou em Cuba, assim como do outro lado do
Atlântico na “Mãe África”, as mais diversas cerimônias de purificação dos
noviços realizados nas águas, antecedem todos e quaisquer ritos de iniciação.
Sabemos que os ritos as divindades do panteão africano são regionais e diferem
de um local para outro; mas em seu contexto religioso tem uma única finalidade:
a de purificar, harmonizar, energizar nosso corpo; ainda acrescento “defender
nosso corpo de energias nocivas. Enfim uma cerimônia que tem como principal
finalidade a de levar embora o que não tem mais serventia para a nossa nova
vida religiosa”.
Em território iorubano esta ritualística tem a
denominação de Anlodò e Pierre Fatumbi Verger em sua
celebre obra ORIXÁ – Deuses Iorubás na África e no Novo
Mundo a descreve da seguinte forma:
Cedo pela manhã, realiza-se o que se chama Anlodò
“vamos ao riacho”, quando os noviços, homens e mulheres, saem do Igbo. Eles
caminham, um atrás do outro, no estado de entorpecimento do qual falamos
anteriormente. Um grande pano branco àlà, é mantido sobre suas cabeças; estão
todos vestidos de panos esfarrapados e entram no recinto consagrado a Xangô,
onde cada um deles recebe uma jarra contendo infusão de folhas dedicadas ao
Orixá. Quando saem dali Ìyá Ṣàngó e algumas iniciadas já antigas sobre a cabeça dos
futuros elégùn uma rodilha de fibras, usadas na África como esponjas vegetais.
Em cada uma dessas rodilhas foram presos uma fileira de búzios e um pintainho
de alguns dias, amarrado pelos pés. As jarras são colocadas por cima Ìyá Ṣàngó e suas
ajudantes. Elas tem o cuidado de colocá-las três vezes seguidas, antes de
deixá-las ali. A fila de noviços forma-se de novo e dirige-se, acompanhada
pelas mulheres encarregadas da iniciação e por um conjunto formado de atabaques
bàtá ou de cabaças agbè. Esse pequeno grupo dirige-se a um riacho, ou uma
lagoa, situado no meio de uma floresta sagrada da vizinhança. Os noviços vão
com o corpo inclinado para frente e a cabeça levantada para manter o equilíbrio
da jarra. Caminham dançando, seguindo o ritmo dos atabaques, e de vez em quando
esboçam alguns passos mais firmes, com os joelhos dobrados. Muitas vezes, um
elégùn de Exu precede o cortejo para que nada de desagradável aconteça. As
iniciadoras e os noviços são os únicos a penetrarem na floresta. Os músicos e
as pessoas da escola param e esperam na proximidade. À beira do rio, ou da
lagoa, fora construída uma pequena cabana de folhas de palmeiras. No centro,
fora cavado um buraco e coberto com alguns galhos, formando uma grade. A terra
retirada da escavação fora deixada ao lado, em forma de montículo. Cada noviço
deve ficar em pé um após outro, em cima da grade improvisada sobre o buraco, e
a jarra é colocada em cima do montículo. O iniciado é então despido e seus
trapos são jogados no fundo do buraco. Seu corpo é lavado com água contida na
jarra e esfregado com a rodilha os búzios e o pintainho, que, não resistindo a
esse tratamento, não demora a morrer. Tudo isso é depois jogado no buraco. A
operação consiste, ao mesmo tempo, num sacrifício de substituição e de
purificação das faltas que tivessem podido, manchar o passado dos noviços.
Assim, uma vez purificado, seu corpo é enxaguado com a água do riacho e vestido
com um pano branco. Colocam-lhe na cabeça uma nova rodilha e a jarra contendo
agora água do riacho. Quando o último dos noviços terminarem essa obrigação,
tornam a fechar, socando a terra com os pés. O abandono das roupas velhas,
substituídas pelos novos panos brancos, é um símbolo da rejeição do passado e
da passagem para uma visa nova e dedicada ao Orixá.
Lidia Cabrera em
sua magnifica obra IEMANJÁ & OXUM – Iniciações, Ialorixás e Olorixás
denomina a cerimônia de purificação no rio de wo ti omorisha luwe odo e
a descreve em ricos detalhes:
Efetuando o ebo de entrada, na hora em que o Sol vai
se pôr, leva-se o omó-orixá ao rio. Em alguns ilês, prefere-se a noite ao
entardecer e a purificação por meio da água viva se pratica à luz da lua ou das
estrelas. Ela é conduzida pela ajibonã, segunda madrinha de assentamento,
assistente da iyaré ou, caso se preferir, “a criada do santo”. Ela foi
escolhida e aceita pelo orixá para este ofício de maior responsabilidade e a
ela se confia o cuidado do neófito até o momento em que, já consagrado, convertido
em iaô - “com santo feito” -, ele regressa a sua própria casa, levando para ela
suas pedras sacramentadas, nas quais, por virtude dos ritos, se fixou um orixá
em cada uma delas. A ajibonã, que além do mais será responsável por tudo aquilo
que diz respeito ao lugar em que se concentrarão as forças sagradas, pelo
quarto, pelo igbodu, agora vai começar a exercer funções: acompanhada de, pelo
menos, duas das ialorixás mais velas, conduz a neófita ao rio. Sem “saudar”,
prestar homenagem à dona do rio, sem purificar-se em suas águas, não se efetua
assentamento algum. O neófito costuma levar a Oxum um pequeno caldeirão com
ochinchín, um de seus pratos prediletos e outras oferendas alimentícias,
igualmente gratas à deusa. Paga-lhe um direito que em Cuba, na castiça
província de Matanzas, era de cinco centavos. Em seguida ele se moyuba. De yuba
– prestar respeitos – criaram os crioulos o termo moyubar.
Ochun yeye mi ogo mi gbogbo ibu laiye nigo gbogbo
omorisha lowe mo to si gba ma abukon ni. Omi didume nitosi omi Alafia atiyo
obirin elere ache wawo atire maru acho gele nitori yo Ayaba ewa ko eleri rire
atiyo. Betonicho nitosi komo nigbati wa ibulu obirin iku oko Olofi odukue.
Após saudar Oxum e explicar à ajibonã os motivos pelos
quais esse omo vai assentar-se, a noviça deposita a oferenda no rio.
Despojam-na de suas roupas, rasgando-as em seu próprio corpo e ela fica
inteiramente nua. Os babalorixás de ocuparão do banho dos neófitos. Assistida
por outras ialorixás, que presenciam o banho lustral, implorando para a futura
esposa mística a proteção da deusa do rio, a jibonã dá-lhe um banho: lava
cuidadosamente sua cabeça com sabão, esfrega-a, passa uma bucha em todo o seu
corpo, envolvendo-a em seguida numa toalha nova e seca. A roupa, agora em
frangalhos, as meias, os sapatos, a bucha e o sabão são abandonados na
corrente. A toalha é guardada. Para essa purificação escolhe-se um lugar do rio
em que a correnteza seja forte, levando os “despojos”. Vestida com roupas
limpas, a noviça regressa ao ilê levando uma bilha de barro cheia de água. A
iyaré a recebe tocando o agogô, a sineta de Obatalá, de forma curva e som mais
abafado que o do adjá com que invoca Oxum e Iemanjá. “O agogô faz tan, tan, e o
adjá faz, tlin tlin.” Se a pessoa que se assentar estiver muito doente e o objetivo
de sua iniciação for recuperar a saúde, ela será dispensada do banho no rio,
mas irá saudá-lo, acompanhada da iyaré e da ajibonã, e nele depositará a
oferenda e o direito. No caso de doença grave, cumpri esse requisito
irrecusável fica a critério da iyaré, que se guiará por aquilo que os deuses
disponham. Com a água que a noviça leva do rio, a ajibonã a banhará em casa. É
costume, em alguns ilê, não banhar os neófitos no rio estes vão fazer-lhe
oferendas e recolher a água com que, em seguida, serão lavados. Em Matanzas,
leva-se ao rio a pedra do orixá tutelar, que será consagrada ao omó. Ali
chegando, a iá lhe pergunta:
o
O que você
veio fazer aqui?
o
Buscar o
santo.
o
Que santo?
o
Iemanjá ou
Oxum.
o
Pois busque e
jogue a pedra, de modo que a encontre sem dificuldade.
A pedra é introduzida na bilha e levada para a casa.
Sempre se recolhe a pedra no rio, que se leva dentro da pequena bilha. É
costume da ajibonã, ao oficiar no rio, ascender uma vela para proteger-se.
“Para dar cobertura ao passo”, como costumam dizer. Afastar o mal.
Dentro dos ritos afro-brasileiros, a cerimônia de
purificação no rio, denominada entre o Povo-de-Ketou de Balùwẹ assemelha-se com os ritos de matriz e
do afro-cubano. Importante ressaltar que a palavra Balùwẹ esta averbada nos dicionários
Iorubá-Português com a tradução de “banheiro”, mas não os locais aonde fazem nossas
necessidades fisiológicas e sim aonde nos lavamos. Em alguns Terreiros esse
“recinto sem porta e sem telhado” esta localizado próximo a uma fonte ou poço
artesiano e inúmeras vezes ouvi dos mais velhos chamar esse local de ZáKá.
Essa cerimônia diverge muito de uma linhagem a outra
conforme os costumes da família-de-santo. Citarei alguns pontos, dos quais
julgo necessário para uma melhor compreensão das mais variáveis formas de se
realizar um mesmo ritual, que tem como finalidade única a de purificar o futuro
iniciado.
o
Algumas ramas
preferem realizar esse rito durante o dia, enquanto outras a noite...
o
Os locais são os
mais variáveis possíveis, ou seja, poços artesianos, fontes, nascentes, rios,
lagoas e cachoeiras...
o
Raros são aqueles
que pagam tributos as divindades das águas...
o
Alguns preferem
“despachar” as roupas rasgadas enquanto outros a recolhem novamente para ser
utilizadas em determinado momento dos ritos de iniciação...
o
A cuia para
banhar, o sabão para lavar e a bucha vegetal para esfregar o corpo da noviça
são utilizadas entre as mais diversas linhagens quase que universalmente...
o
Entretanto os
ingredientes utilizados no rito são mais elaborados do que outras, tais como
ovo-de-galinha, quiabo, milho de canjica cozido, acaça, o pintinho e a
folha-do-nativo...
o
Em algumas ramas
a noviça poderá deixar parte de seu cabelo nas águas, ao contrário de outros
que realizam esse ato somente dentro do quarto-da-iniciação...
o
A volta da noviça
ao Terreiro envolto em lençol imaculado e carregando em sua cabeça um
recipiente cheio de água natural é hábito na maioria das famílias-de-santo...
o
Trazer uma pedra
ou o seixo do rio para “assentar” a divindade tutelar é raríssimo entre o povo-de-santo
aquele que executam esse ato...
o
Ainda acrescento
que muito dos Baba e Iyalòrìṣà
realizam essa cerimônia em silêncio enquanto outros entoam uma série de
cânticos específicos para o rito do Balùwẹ...
Durante a procissão dos ritos das Águas de Oxalá ou Àwon
Omi Òṣàlà o ato de depositar
água da fonte ou do poço, sobre os assentamentos de Òṣàlà tem precisamente o significado de
iniciar e propiciar um novo ciclo. Sem adentrarmos nesse assunto, não que não
seja do meu interesse, mas estaria desviando o assunto do tópico em questão.
Ainda acrescento que as Águas de Oxalá
iniciam o ano litúrgico da maioria dos Terreiros da Bahia.
Não posso deixar de
mencionar que em meu conhecimento e entendimento, os descendentes de africanos
no Novo Mundo delegaram “territórios aquáticos” sob domínio de outras
divindades e não somente de Ọ̀ṣun.
A exemplo da fonte,
nascente ou olho d'água dois quais pertencem aos Òrìṣà Funfun;
o poço
que nos dá acesso ao lençol d'água subterrâneo esta sob o domínio de Òṣàlà e Ọ̀ṣun Ìyá Omi Ibu;
o percurso do rio
pertence à Ọ̀ṣun e Erinlẹ;
as
quedas d'água ou as cachoeiras são regidas por Òṣumare;
assim como a loca, as águas dentro de grutas e cavernas, pertencem a Yéwà;
os charcos, banhados, poças d'água, pântanos e brejos
pertencem à família de Nàná;
as lagoas e as águas represadas
pertencem as Ọlọ́ọ̀sà e a Otin;
no encontro das águas doces com a água salgada denominada de "pororoca" esta sob
o domínio de toda as Divindades Fluviais e o
oceano sob a proteção de Olóòkun e alguns Ọ̀batalá que em
sua essência são femininos.
Meus humildes respeitos aqueles que não realizam de
forma alguma esta “sagrada cerimônia”, pois a considero de suma importância
dentro de nossa religião, pois em meu entendimento as “Águas de Ọ̀ṣun” contem
em sua essência, poderes curativos, adivinhatórios, protetores, purificadores e
acima de tudo o mistério da fertilidade. Essa cerimônia representa a renovação,
o renascimento para uma nova vida, revitaliza a conexão espiritual entre o
futuro iniciado e suas divindades. Ọ̀ṣun é
a divindade que representa o poder da Mãe para salvar seus filhos, que com seus
poderes, permite purificar internamente aqueles que a ela recorrem. Por isso
não há nenhuma cerimônia na religião Iorubá que não requeira a passagem de um
iniciado pela águas de um rio.
Espero que de alguma
forma tenha esclarecido o complexo “mundo das águas” das quais as divindades
femininas são em maior numero de tutoras, Em outras palavras a água pertence ao
elemento natural feminino, não somente dentro de nosso culto, mas em toda a
vida, pois verter água sobre a terra significa não só fecundá-la, mas também
restituir-lhe com seu sangue branco com o qual ela alimenta e propicia tudo que
nasce e cresce.
Baba Guido Olo Ajagùnà
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