A Língua e o Poder da Fala – Reflexões
"O Mestre disse:
Homem! presta atenção quando abres a boca.
O Discípulo retrucou:
Homem! presta atenção quando abres a boca.
O Discípulo retrucou:
Desculpe, foi a minha língua fogosa que me traiu!"
A língua é o mensageiro do cérebro e ambos são as duas peças
fundamentais na organização social e na subsistência do Homem moderno. Baseando-se no refrão inserido no Odu Ogbè-Ìretè "A língua perdeu a cabeça”, se faz
presente a orientação em relação a pessoas que não pensam, nem analisam antes
de falar, levando a se expressar de forma incoerente, tais como: revelando
assuntos, dos quais não são de sua alçada; comentários destrutivos sobre
pessoas que nem ao mesmo conhece, sem fundamentos, na maioria das vezes
repetindo o que os demais dizem; deturpam acontecimentos aproveitando de sua
posição sócio religiosa, incentivando os demais a participarem do assunto,
mesmo preferindo ficarem em silêncio absoluto. Na maioria das vezes o
“protagonista” não esta presente e como sabemos, toda ausência é um
atrevimento”, ou como se diz o adágio:
“Não se pode pentear uma pessoa, quando a mesma encontra-se ausente"
Esta são apenas algumas das atitudes de pessoas, que em sua maioria
são inteligentes, intelectuais e mesmo assim fazem o mal uso da língua. Em
termos gerais, não sendo via de regras, tudo isto pode estar sendo do resultado
da ignorância de muitas pessoas.
“A única defesa de um ignorante é a língua"
A Tradição Africana, portanto, concebe a fala como um dom divino.
Ela é ao mesmo tempo divina no sentido descendente e sagrada no sentido
ascendente. A Tradição Africana, como se ensina, depositou no ser humano as
três potencialidades: do poder, do querer e só saber, contidas nos elementos
dos quais o ser humano foi composto. Mas todas essas forças, das quais o Homem
é herdeiro, permanecem silenciadas dentro dele. Ficam em estado de repouso até
o instante em que a fala venha colocá-las em movimento. Vivificadas pela
palavra divina, essas forças começam a vibrar. Numa primeira fase, tornam-se
pensamentos; numa segunda, som e numa terceira, a fala propriamente dita. A
fala é portanto, considerada como a materialização, ou a exteriorização das
vibrações das forças das quais podem ser positivas ou negativas.
Do mesmo modo sendo a exteriorização das vibrações das forças, toda
manifestação de uma só força, seja qual for a forma que assuma, deve ser
considerada como a sua fala. É por isso que no Universo religioso a fala é
sagrada e ao mesmo tempo profana, tudo é fala que ganhou corpo e forma: “Falar
é dar força e por extensão, materializar”. Se a fala é força, é porque ela cria
uma ligação de vaivém que gera movimento e ritmo, e, portanto, vida e ação – "Como um Homem que se levanta e se volta ao ouvir seu nome".
A fala pode criar a paz, assim como pode destruí-la. É como o fogo.
Uma única palavra imprudente pode desencadear uma guerra, do mesmo modo que um
graveto em chamas pode provocar um grande incêndio. A Tradição, pois, confere a
palavra, não só um poder criador, mas também a dupla função de conservar e
destruir. Por essa razão a fala, por excelência, é o grande ativo da “magia
africana” e a fala deve ser usada com cautela.
“A fala ´divinamente exata, convém ser exato para com ela”
Por esse motivo a maior parte das sociedades orais tradicionais,
considera a mentira e a calunia uma verdadeira “lepra moral”. Na Africa
Tradicional, aquele que falta ou viola à palavra mata sua pessoa civil,
religiosa e oculta. Ele se separa de si mesmo e da sociedade. Seria preferível
que morresse, tanto para si próprio como para os seus entes queridos.
“A língua que falsifica a palavra, vicia o sangue daquele que mente”
O sangue simboliza aqui a força vital interior, cuja harmonia é
perturbada pela mentira. Dizem os adágios: “Aquele que corrompe sua palavra, corrompe a si
próprio” ou "Quando alguém pensa uma coisa e diz outra, separa-se de
si mesmo", ou seja, rompe a unidade sagrada, reflexo da unidade cósmica, criando
desarmonia e desequilíbrio dentro e ao redor de si.
“Se a fala constrói a cidade, o silêncio edifica o mundo”
diz um provérbio africano.
Talvez por isso diga um outro:
“O que o silêncio não pode melhorar, a fala também não o fará"
São sudanesas estas máximas, mas representam toda uma atitude generalizada
na África e uma diáspora quanto a comunicação do indivíduo com o interior.
Há uma valorização ética do silêncio como espaço do esclarecimento e da
seriedade, enquanto à fala se atribui o perigo da levidade e da confusão.
Apenas o “perigo”, fique bem claro. O Homem que vive a Tradição Oral, não é
mudo, nem silencioso, deve ser entendido como mera ausência de “verbo”. Pelo contrário, silêncio é a realidade que engendra o ato verbal, que dá à luz da
palavra, por ser a força que conduz o indivíduo à sua própria interioridade e
eclosão de uma verdade. Silêncio é coisa de “dentro”, palavra é coisa de “fora”
- no jogo ponderado dos dois espaços, se faz a comunicação equilibrada com o
mundo material e o mundo espiritual.
Baba Guido Oni Ajaguna
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