quinta-feira, 28 de maio de 2015

A Língua e o Poder da Fala – Reflexões



A Língua e o Poder da Fala – Reflexões



"O Mestre disse: 
Homem! presta atenção quando abres a boca.
O Discípulo retrucou: 
Desculpe, foi a minha língua fogosa que me traiu!"



A língua é o mensageiro do cérebro e ambos são as duas peças fundamentais na organização social e na subsistência do Homem moderno. Baseando-se no refrão inserido no Odu Ogbè-Ìretè "A língua perdeu a cabeça”, se faz presente a orientação em relação a pessoas que não pensam, nem analisam antes de falar, levando a se expressar de forma incoerente, tais como: revelando assuntos, dos quais não são de sua alçada; comentários destrutivos sobre pessoas que nem ao mesmo conhece, sem fundamentos, na maioria das vezes repetindo o que os demais dizem; deturpam acontecimentos aproveitando de sua posição sócio religiosa, incentivando os demais a participarem do assunto, mesmo preferindo ficarem em silêncio absoluto. Na maioria das vezes o “protagonista” não esta presente e como sabemos, toda ausência é um atrevimento”, ou como se diz o adágio:

“Não se pode pentear uma pessoa, quando a mesma encontra-se ausente"

Esta são apenas algumas das atitudes de pessoas, que em sua maioria são inteligentes, intelectuais e mesmo assim fazem o mal uso da língua. Em termos gerais, não sendo via de regras, tudo isto pode estar sendo do resultado da ignorância de muitas pessoas.

“A única defesa de um ignorante é a língua"

A Tradição Africana, portanto, concebe a fala como um dom divino. Ela é ao mesmo tempo divina no sentido descendente e sagrada no sentido ascendente. A Tradição Africana, como se ensina, depositou no ser humano as três potencialidades: do poder, do querer e só saber, contidas nos elementos dos quais o ser humano foi composto. Mas todas essas forças, das quais o Homem é herdeiro, permanecem silenciadas dentro dele. Ficam em estado de repouso até o instante em que a fala venha colocá-las em movimento. Vivificadas pela palavra divina, essas forças começam a vibrar. Numa primeira fase, tornam-se pensamentos; numa segunda, som e numa terceira, a fala propriamente dita. A fala é portanto, considerada como a materialização, ou a exteriorização das vibrações das forças das quais podem ser positivas ou negativas.

Do mesmo modo sendo a exteriorização das vibrações das forças, toda manifestação de uma só força, seja qual for a forma que assuma, deve ser considerada como a sua fala. É por isso que no Universo religioso a fala é sagrada e ao mesmo tempo profana, tudo é fala que ganhou corpo e forma: “Falar é dar força e por extensão, materializar”. Se a fala é força, é porque ela cria uma ligação de vaivém que gera movimento e ritmo, e, portanto, vida e ação – "Como um Homem que se levanta e se volta ao ouvir seu nome".

A fala pode criar a paz, assim como pode destruí-la. É como o fogo. Uma única palavra imprudente pode desencadear uma guerra, do mesmo modo que um graveto em chamas pode provocar um grande incêndio. A Tradição, pois, confere a palavra, não só um poder criador, mas também a dupla função de conservar e destruir. Por essa razão a fala, por excelência, é o grande ativo da “magia africana” e a fala deve ser usada com cautela.

“A fala ´divinamente exata, convém ser exato para com ela”

Por esse motivo a maior parte das sociedades orais tradicionais, considera a mentira e a calunia uma verdadeira “lepra moral”. Na Africa Tradicional, aquele que falta ou viola à palavra mata sua pessoa civil, religiosa e oculta. Ele se separa de si mesmo e da sociedade. Seria preferível que morresse, tanto para si próprio como para os seus entes queridos.

“A língua que falsifica a palavra, vicia o sangue daquele que mente”

O sangue simboliza aqui a força vital interior, cuja harmonia é perturbada pela mentira. Dizem os adágios: “Aquele que corrompe sua palavra, corrompe a si próprio” ou "Quando alguém pensa uma coisa e diz outra, separa-se de si mesmo", ou seja,  rompe a unidade sagrada, reflexo da unidade cósmica, criando desarmonia e desequilíbrio dentro e ao redor de si.

“Se a fala constrói a cidade, o silêncio edifica o mundo”

diz um provérbio africano. 
Talvez por isso diga um outro:

  “O que o silêncio não pode melhorar, a fala também não o fará"

São sudanesas estas máximas, mas representam toda uma atitude generalizada na África e uma diáspora quanto a comunicação do indivíduo com o interior. Há uma valorização ética do silêncio como espaço do esclarecimento e da seriedade, enquanto à fala se atribui o perigo da levidade e da confusão. Apenas o “perigo”, fique bem claro. O Homem que vive a Tradição Oral, não é mudo, nem silencioso, deve ser entendido como mera ausência de “verbo”. Pelo contrário, silêncio é a realidade que engendra o ato verbal, que dá à luz da palavra, por ser a força que conduz o indivíduo à sua própria interioridade e eclosão de uma verdade. Silêncio é coisa de “dentro”, palavra é coisa de “fora” - no jogo ponderado dos dois espaços, se faz a comunicação equilibrada com o mundo material e o mundo espiritual.



Baba Guido Oni Ajaguna

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