sábado, 13 de junho de 2015

ELÉGÙN – O FENÔMENO DO TRANSE




ELÉGÙN – O FENÔMENO DO TRANSE



Todo Elégùn é um Adósù
mas nem
todo Adósù é um Elégùn.”



A principio, quero ressaltar nesse tópico que os iniciados e consagrados no Culto as Divindades do Panteão Iorubá, são denominados de AdósùO portador do Osù, símbolo máximo da iniciação, estão divididos em duas categorias distintas: os OlóòrìsàAquele que possui um Orixá, termo correto para designar os iniciados do sexo masculino e as ÌyawóòrìsàEsposa do Orixá, designado aos iniciados do sexo feminino. Essa dicotomia se perdeu no tempo, apenas prevalecendo o termo ìyawó para designar os neófitos masculinos e femininos que ainda não completaram totalmente seu Ciclo Iniciático.

O vocábulo ìyawó tem o significado de noiva, esposa, mulher recém-casada, o que soa estranho aos ouvidos de um homem ao ser chamado de ìyawó. Entretanto, dentro do contexto religioso, o termo “esposa” tem a conotação de um matrimonio espiritual entre a neófita e sua divindade tutelar, descartando a hipótese da União legitima entre homens e mulheres.


Nesse new post os questionamentos (reformulados) aqui presente são as duvidas mais freqüentes de pessoas iniciadas, não iniciadas, simpatizantes e mesmo os curiosos, que durante minha jornada religiosa me indagaram sobre a complexidade do transe. Se portanto nessas palavras de respostas (revisadas) há coisas que parecem chocar a razão de muitos leitores, é que não as compreendemos ou que as interpretamos mal.


Mas qual o significado do termo Elégùn ?

  • O prefixo Elé significa “aquele que”
  • A palavra Gùn origina-se da forma contraída do vocábulo Igègùn
  • O vocábulo Igègùn significa ação de excitar ou agitar


O celebre pesquisador Pierre Verger em seu artigo Cultes de Possession chez les Yoruba et les Plantes Liturgiques no Colloque sur les Cultes de Possession, CNRS, em Paris, no ano de 1968, explicita quanto ao termo Gùn que este significa “montar” induzindo outros pesquisadores e seus seguidores a idéia equivocada de “Aquele que pode ser montado ou cavalgado”, numa visão imaginária das divindades montada nas costas de seus adeptos, fazendo-os de cavalo, o que originou a expressão pejorativa Esin ÒrìsàCavalo dos Deuses. Não vai muito longe essa verdade, que até mesmo a expressão usada pelos umbandistas “fulano é cavalo do guia tal”, ou seja, o guia tal, monta, desce, incorpora, no fulano. Entendo o termo Elégùn no sentido interpretativo “Aquele que se agita” ou “Aquele que se excita”. Agitações e Excitações, decorrente da reação da complexidade e muitas vezes incompreensível do fenômeno do transe.

Elégùn poderia ser denominado de médium ?

Certamente que sim. A mediunidade é um fenômeno espiritual que ocorre com muito mais frequência do que muitas pessoas possam imaginar. Potencialmente, todos somos médiuns, uma condição natural do ser humano, pois se trata de uma faculdade inerente ao espírito. Neste sentido, ela faz parte da natureza do homem e, portanto, não há nada de sobrenatural.

De suma importância ressaltar que a mediunidade não é propriedade dos espíritas, ou seja, não foi inventada por Allan KardecO Decodificador do Espiritismo como muitos ainda creem. Seria como afirmar perante a ciência que o inconsciente é propriedade dos psicanalistas, dado ao fato de Sigmund Freud O Pioneiro da Psicanálise, ter estudado o inconsciente, assim como O Ego e o Self não são propriedade exclusiva de Carl Gustav Jung.

Mediunidade não é e nunca será privilégio dos espíritas”

A manifestação mediúnica remota de tempos imemoriais em todas as religiões do mundo. Os povos primitivos da antiguidade se comunicavam com suas divindades e os espíritos de seus antepassados através da mediunidade. Interessante ressaltar que, alguns anos atrás, em um momento de leitura, senão para minha surpresa, me deparo com o subtítulo ELÉGÙN – O Médium, estava em minhas mãos o livro ÒRUN - ÀIYÉ O Encontro de dois Mundos da autoria de José Beniste. Sem pretensão alguma de criticar a obra de Beniste, do qual considero-o um dos maiores pesquisadores e autores da atualidade, mas me surpreendi ao fato da citação O Médium não corresponder com o subtítulo, pois nada descreve em sua obra, sobre a mediunidade. Pode parecer estranho aos olhos dos leitores, mas 90% do povo de santo não tem noções básicas sobre a Ciência da Mediunidade. Muitos não respondem a nada que perguntamos, desconhecendo totalmente o assunto ou respondem a celebre frase: Meu filho ! Não sou espirita para saber essas coisa, sou candomblezeira !

Como definir o transe de um Elégùn ?

O fenômeno do transe, parte integrante e saliente do complexo ritual e de crenças que caracteriza as religiões afro-brasileiras, não é simplesmente aquele episódio espetacular que culmina as cerimônias públicas do candomblé, em que apresentam-se certos indivíduos dos grupos de culto aos Òrìsà, mas um fenômeno de dissociação da personalidade, afim de outras mais leves dissociações frequentes na experiência cotidiana de um ser portador desse Dom Divino. Apesar de naturalmente compreensível para os estudiosos da religião, pode parecer estranho àqueles que não se aprofundaram adequadamente no estudo do fenômeno do transe. Mas a definição sob a visão da Doutrina Espirita é a que mais assemelha-se, a maneira que outros 10% de nossos Ègbón – mais velhos nos tentam fazer entender, em outras palavras obviamente, o estado de manifestação do Òrìsà.

Considero a descrição a seguir, perfeitamente correta, pelo menos em minha opinião, para definir o transe em nossa religião e em outras crenças, onde o estado alterado de consciência se faz presente. Nos primeiros estudos desse fenômeno, a psicologia ainda não usava o termo "transe", que é uma corruptela de uma situação "transacional", que passa de um estado para outro, no caso, de um estado mental. Não posso deixar de mencionar que o transe tem origem Endógena que são os provocados por distúrbios patológicos neuro anímicos, por liberação ou inibição de neurotransmissores; e Exógena que são os transes provocados mediante estímulos externos.

Essa necessidade de abarcar o estudo do fenômeno do transe dentro de um “enorme território”, consiste na cooperação com outras ciências e se antecipam aos estudiosos que tratam o assunto com seriedade, na esfera em que a descrição da individualidade do fenômeno, possa ser revelada com toda a riqueza de qualidades concretas e prescindir de compreensão e interpretação que a completem ao máximo. Dessa forma, evidentemente, a dificuldade de situar-se estritamente dentro de um só esquema conceitual. A etnopsicologia foi e sempre será a maior ciência capacitada, de projetar a “luz” e abrir muitos horizontes para novas pesquisas, sobre um assunto reconhecidamente complexo como o fenômeno do transe.

Nina Rodrigues – Legista e Psiquiatra, a quem presto aqui o preito de minha admiração por ter sido o iniciador dos estudos afro-baianos, foi o primeiro a refutar a suposição do transe, naquela época denominada entre o meio acadêmico de possessão, ser um fenômeno de simulação. Não posso deixar de mencionar Arthur Ramos – Psiquiatra e Psicanalista e Ulysses Pernambucano – Psiquiatra Clínico, Professor de Psicologia, Lógica e Neuropsiquiatria que depois se alongaria em Psiquiatria Social depois de reformador corajoso dos métodos de assistência aos doentes mentais. No estudo das formas de expressão religiosa do negro brasileiro não passou despercebida a nenhum desses pioneiros a importância dos fenômenos do transe, como a utilidade de sua abordagem com o auxilio de suas especialidades, que consagrou uma avalanche de evidências empíricas, por métodos e teorias refinadas. A formação cientifica desses nobres homens parece me ter sido o fator determinante do seu interesse de médicos pela dimensão cultural de sua especialidade. Nina Rodrigues, relata em seu livro O animismo fetichistas dos negros bahianos, publicado por Civilização Brasileira, em 1935, os ricos detalhes, de suas pesquisas de campo nos candomblés da Bahia, assim como a interpretação do fenômeno do transe em termos psicopatológicos e de auto sugestão, de acordo com a ciências de sua época.

Como explicar vários Elégùn em transe do mesmo Orixá ?
Não trata-se simplesmente da colocação de ubiquidade das divindades, ou seja, nenhum Òrìsà tem o poder de se dividir; mas cada Divindade é um “centro” que irradia sua energia para diferentes lados, lugares e pessoas, por esse motivo se faz presente em muitos lugares e manifestados em várias pessoas ao mesmo tempo. Assim como o Òrìsà pode se fazer presente no Terreiro e não manifestar-se em nenhum Elégùn por diversos fatores. Num quadro figurativo, podemos utilizar o Astro Sol como exemplo, que sendo absolutamente único, irradia seus raios solares para vários lugares do globo terrestre simultaneamente, assim como o dia pode não estar ensolarado mas sabemos que o Astro Rei ali esta presente. As divindades são portadoras de uma poderosa energia que desconhecemos e apenas uma “fagulha” dessa matéria dissociada é emanada ao Elégùn. Uma “fração desproporcional” dessa energia poderia levar um individuo a morte se for contrária a “sua capacidade receptora”. Por esse motivo devemos ser cautelosos quanto ao uso de plantas litúrgicas que incitam o fenômeno do transe denominadas de Ewé Igègùn.
Durante o transe, o Orixá incorpora no Elégùn ?
A primeira condição de toda doutrina religiosa é a de ser lógica; ora, temos que compreender que o Èmí – O Espirito Encarnado, esta de tal forma impregnado célula a célula; hemácias e glóbulos brancos; tecidos e ossos; músculos e nervos; nos fluídos corporais, que não haveria espaço para outro Ser Sobrenatural adentrar-se no corpo físico. Assim, o transe mediúnico não é um líquido que se adentra em um vasilhame ocupado. Vários religiosos e estudiosos, acreditam que o transe, dá-se a principio, através da fluidificação emanada pela divindade ao nosso Orí Inú – A Cabeça Interior exatamente no local da incisão, denominado de Gré, local onde foi afixado o Osù. Esse esta localizado no alto da cabeça, por ser ali que se encontra a “Sede da Inteligência". Essa poderosa energia, que nada mais é que matéria dissociada, interpenetra-se nesse “campo vibratório” e domina por completo ou quase que completo o sistema nervoso central do Elégùn.
Por esta razão que determinados lideres religiosos não admitem a manifestação do Òrìsà em um individuo que não se submeteu aos ritos iniciáticos. Para os pensadores dessa concepção, o primeiro contato da divindade com o individuo não iniciado, o derrubaria ao solo e causaria a perca completa da consciência, seguida de um desfalecimento que pode durar horas, sem mencionar as dificuldades em restabelecer a consciência do desfalecido. Esse acontecimento é popularmente conhecido por “bolar no santo”, cuja a etimologia da palavra, ainda encontra-se na obscuridade. Antigamente, hoje em dia com menos frequência, era comum acontecer de um “visitante” bolar no santo e somente recuperar suas funções fisiológicas, durante o Ciclo da Iniciação.
Para aqueles que não sabem, essa matéria dissociada que age sobre esse “campo” incitando o transe, na teosofia, no esoterismo e outras doutrinas orientais e ocidentais, são conhecidos por diversos termos a saber:
  • AuraDuplo Etéreo
    Corpo AstralCorpo Mental
    Plexos
    ChakrasCentros de Força
Através desse campo vibratório, seja qual for a designação correta, o transe constitui, finalmente, a parte dramática e essencial das cerimônias públicas e privadas quando as divindades são “convidadas” e manifestar-se, através da fala, revelando mensagens e palavras de conforto, revivendo através dos cânticos e da percussão, da dança e de seus gestos, as obras realizadas nesse e no outro mundo, relembrando uma época remota, em que as Divindades se mesclavam entre os Seres Humanos.
Durante o transe o Elégùn pode ver, escutar e lembrar dos fatos ?
Sabemos que o transe é um estado alterado da consciência, onde há dissociação psíquica, que pode ser superficial (consciente) hipnogógico (semiconsciente) e profundo (inconsciente). Existe uma variação de Elégùn para Elégùn. Que de acordo com sua natureza ou com os ritos litúrgicos, aumenta ou diminuem, o que conheço por tônus vibracional, do qual facilita ou dificulta a ação dos Òrìsà. Esse tônus a qual me refiro, pode ser influenciado pela má conduta e atitudes inadequadas do iniciado, tais como, “violações dos tabus”. Aprendemos com nossos mais velhos, que durante os dias que antecedem o Ciclo das Festas Anuais deveremos nos “resguardar” quanto a alimentação, ingestão de bebidas alcoólicas e atividades sexuais. Essas “proibições” tem como finalidade “purificar” o corpo do Elégún que além de facilitar, aumenta o grau de intensidade do transe. Obviamente que os Òrìsà entendem perfeitamente a “violação dos tabu”, pois em nossa religião está inserida a Lei do Livre Arbítrio.
Muitos iniciados que entram em transe ou são “rodantes” como são chamados entre o povo de santo, transparecem claramente o constrangimento de tocar no assunto de ser consciente ou semiconsciente. É certo que muitos adeptos, embora sejam sinceros e bem intencionados, alegam o que realmente são ao afirmarem que de nada se recordam ou tem vagas lembranças do período que encontravam-se em estado de transe. Temerosos de não inspirarem a devida confiança a sua comunidade religiosa, nem sempre o fazem, por vaidade ou má intenção, pois é evidente que as pessoas ficam mais convictas das manifestações do transe, quando crê no completo alheamento do Elégùn naquilo que se transmite durante o fenômeno do transe. Na maioria dos casos de consciência e semiconsciência, ocorre a denominada “amnésia pós transe”, ou seja, nenhuma lembrança se conserva ao despertar do iniciado, fato esse ocasionado pelo próprio Òrìsà.
O fenômeno do transe pode ser denominado transe de possessão ?
Por várias vezes me deparo com essa polêmica pergunta. Muitas pessoas me questionam, se durante o transe, há verdadeiramente uma posse física do iniciado, quero dizer, o fato do Òrìsà adentrar ou não o corpo do Elégùn.
Essa questão ainda encontra-se amplamente em debate, não somente entre os membros religiosos, mas também presente nos meios acadêmicos e autodidáticos, que colocam ainda a possessão como uma questão não doutrinária.
Ao responder a pergunta Durante o transe, o Orixá incorpora no Elégùn ? Entendo que nessa circunstância, não há nenhuma margem para dúvidas de que não há mesmo possessão física, mas subjugação. Acrescento que aqui estou me referindo a subjugação corporal, ou seja, as divindades atuam sobre a mente e os órgãos materiais provocando movimentos involuntários no iniciado manifestado.
Não posso deixar de mencionar que, outrora, o vocábulo possesso, na sua acepção vulgar, supõe a existência de demônios, isto é, de uma categoria de seres maus por natureza, e a coabitação de um desses seres com a alma de um indivíduo, no seu corpo, influenciaria o possuído até à aberração das faculdades da vítima.
Somente a nível de conhecimento, uma pequena descrição sobre o entendimento do transe de possessão a luz da Doutrina Espirita, publicado por Paulo da Silva Neto Sobrinho.
O mecanismo da “incorporação mediúnica” é fácil de compreender. Ela pode principiar pela aproximação da entidade que deseja comunicar-se. Esta poderá eventualmente influenciar o “médium”, facilitando-lhe o “transe”. O médium passa então a sofrer um desdobramento astral e sua cúpula juntamente com o corpo astral deslocam-se parcial ou totalmente de maneira a permitir que a cúpula e o corpo astral do Espírito comunicante ocupe parcial ou totalmente o campo livre deixado pelo “corpo astral” do médium. A incorporação é tanto mais perfeita quanto maior o espaço é cedido pelo astral do médium ao afastar-se do seu corpo físico, deixando lugar para a cúpula com o corpo astral doo comunicador. Este – o Espírito comunicante – deverá sofrer um processo semelhante ao desdobramento astral,, para permitir que sua cúpula e corpo astral possam justapor-se ao espaço livre deixado pelo médium.
Por isso insistindo em que o iniciado seja ele Elégùn ou não, aprenda e estude sobre os fenômenos do transe. Ter o devido conhecimento sobre as diferenças entre possessão e manifestação de divindades, deidades ou entidades, fazem toda a diferença. Porque um iniciado ou não que entra em transe, debatendo-se e dizendo coisas desconexas, pode estar num tipo de situação complicada e isso pode ser um transe patológico, ou seja, esse individuo pode ser um esquizofrênico, psicótico, estar sob efeitos de drogas, obsidiado, etc. Para isso o religioso deve reconhecer o transe de uma divindade e de um espirito. Acima de tudo, ter o discernimento de tomar as medidas cabíveis e as devidas providências, orientando o individuo na busca de auxilio médico ou nos recursos da religião.


BABA GUIDO OLO AJAGUNA

2 comentários:

  1. Amo seu blog! Eu sou a Ekedji t' Ajaguna e desde já obrigada por compartilhar suas ideologias e sabedoria aqui!

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  2. UAU! Que texto! Parabens. Nunca havia tido acesso a tamanha gama de informações sobre transe espiritual como neste blog! Que Obatalá lhe abençoe e continue em sua jornada de esclarecimento e enriquecimento do culto afro.

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