sexta-feira, 31 de julho de 2015

ÌFẸ ÀTINÙWA – O Livre Arbítrio e KÀDÁRÀ – O Destino.


O Livre arbítrio é o poder que cada indivíduo tem de escolher suas ações, que caminho quer seguir. possibilidade de decidir, escolher em função da própria vontade, isenta de qualquer condicionamento, motivo ou causa determinante. A expressão é utilizada quase que universalmente por diversas religiões. Entretanto, o real significado de livre arbítrio não tem apenas sentido religioso, e sim psicológicos, morais e científicos. A definição e conceito de livre arbítrio para muitas pessoas, significa “ter liberdade”, e muitas vezes, esse termo se confunde com desrespeito e falta de educação para com o seu próximo. Em minha opinião, “cada um realmente tem o direito de fazer o que bem entender com a sua vida e decidir qual caminho a seguir, mas desde que não prejudique absolutamente ninguém”.

Embora o Livre arbítrio seja um direito do Ser Humano, seria como se fosse uma “disputa acirrada” entre o Ìfẹ Àtiniwá – a escolha de seu caminho na Terra em contrapartida com Kàdárà – a escolha de seu destino no Céu. Para cada escolha que fazemos na vida sempre existirá uma consequência, seja ela boa ou ruim. É como a lei da ação e reação. Para cada escolha (ação) uma consequência (reação). É a Lei da Vida. Para um melhor entendimento, vejamos a seguinte explicação, do Homem e a escolha do destino:

Dentro da filosofia de nossa religião, todas as ações do Homem nesse mundo, são predestinadas por Olódùmarè, determinadas de três formas ritualísticas e presenciadas por Ọrúnmìlà – A Testemunha do Destino.

  • Primeiro, ajoelha-se perante Olódùmarè e escolhe o seu destino. Esse ato é denominado de Àkùnlẹ yàn – Aquele que se ajoelha e escolhe. Após esse, o indivíduo se levanta e curva-se perante o Deus Supremo.
  • Segundo, ajoelha-se novamente e recebe o seu destino, que é denominado de Àkùnlẹ gbà – Aquele que se ajoelha e recebe. Novamente, se levanta e curva-se.
  • O Terceiro e ultimo ato, ajoelha-se e o destino lhe é fixado, ou seja, determinado. Essa forma é denominada de À yàn mọ – Aquele que escolhe e determina o destino de alguém. Então a pessoa se levanta e inicia a sua caminhada para o mundo terreno, com seu destino duplamente selado.

O que quer que Olódùmarè lhe tenha confiado por sua livre escolha e não induzido, é inalterável e se forma parte integrante da pessoa para o resto de sua jornada de vida na Terra.

Como disse anteriormente, todo esse ritual é “assistido” por Ọrúnmìlà, que se torna testemunha do que se está sendo determinado. Por essa razão as nuances deste destino podem ser acompanhadas, pelo Oráculo Sagrado de Ọrúnmìlà-Ifá e com a possibilidade de reajustar através do subterfúgios das oferendas e sacrifícios, aquilo que se encontra em dissonância com o que foi determinado.

Para a filosofia, o livre arbítrio tem origem no "determinismo", que defende que todos os acontecimentos são causados por fatos anteriores. Para a ciência da filosofia, o indivíduo faz exatamente aquilo que tinha de fazer, seus atos são inerentes a sua vontade, e ocorrem com a força de outras causas, internas ou externas.

Nosso destino realmente depende de nossas escolhas? Temos o destino que merecemos? O nosso destino está de acordo com nossos méritos? Viver livremente sem culpas é a primeira coisa que o homem deve procurar fazer se quiser realmente ser dono do seu destino? Ainda há muito o que pensar e rever conceitos, que a séculos intriga a religiosos, filósofos e pensadores.


Baba Guido Olo Ajaguna

quinta-feira, 30 de julho de 2015

ỌRẸLÚÉRÉ – O Caçador Primordial

Um dos dezesseis integrantes entre aqueles que formavam a comitiva de Odùdúwà, quando esse partiu de seu lar original e fundou a cidade de Ilé Ifẹ – O Berço da Civilização dos Iorubá.

Detentor absoluto do conhecimento da Caça, ensinou os primeiros iorubás a Arte da Caça com arco e flecha. Guerreiro destemido, médico habilidoso e guardião da moral, tradição e bons costumes dentro do berço familiar dos iorubás. Aqueles que cometiam qualquer tipo de “tabu” deveriam se apresentar a sua frente, confessar o ocorrido e cumprir a penitencia determinada por Ọrẹlúéré.

Ọrẹlúéré é lembrado e reconhecido apenas nas canções de Ògún, Ọṣọọsì e Ẹrinlẹ, pois não existe registros de cânticos específicos a esse ancestral. Alguns “pesquisadores” o denominaram de Ọdẹ Ọrẹ, talvez baseando-se equivocadamente nos cânticos afro cubanos que mencionam o termo Ọdẹ ọ̀rẹ́, que tem a interpretação de “Amigo Caçador” e não o nome abreviado de Ọrẹlúéré.

Os chifres ou corno oco por dentro, remota a lembrança desse Caçador Primordial, pois foi ele quem ensinou como utilizá-lo para chamar um caçador que estava dentro da mata. Quando o soar das batidas dos chifres que ecoavam pela floresta, os caçadores atendiam prontamente ao seu chamado. Essa “técnica” era utilizada para reunir todos os caçadores que estavam próximo as redondezas.

Em meu conhecimento, Ọrẹlúéré não pertence a categoria dos Òrìṣà e sim aos Ancestrais não divinizados ou deificados. Não há registro comprobatório na literatura Iorubá, muito menos na Tradição Oral que após a sua morte, a Casta dos Caçadores prestavam qualquer culto à Ọrẹlúéré, embora o reconheciam como O Caçador Primordial.


Baba Guido Olo Ajaguna

sábado, 25 de julho de 2015

“mo foribalẹ” O ato de colocar a cabeça no chão em nossa religião

Foribalẹ é um ato de saudação e veneração, dada diretamente para um Òrìṣà ou a um Baba ou Ìyálòrìṣà. Esta saudação pode ser feita por qualquer pessoa iniciada e consagrada até um simples simpatizantes de nossa religião. A palavra Foribalẹ está averbada nos Dicionários Yorubá – Português como um verbo transitivo que significa venerar, adorar. Literalmente o referido termo significa "colocar a cabeça no chão". Esse ritual também é conhecido pelo nome de Fori(ọ)kànbalẹ, que literalmente significa “colocar a cabeça e o coração no chão”. Isto refere-se ao ato de prostrar-se diante das divindades, de pessoas que de certa forma participaram de seus ritos iniciáticos e do próprio sagrado.

Também pode se realizar o ato do Foribalẹ a qualquer ancião, denotando respeito a sua antiguidade e aos seus “anos de santo”. Durante esta saudação o Baba ou a Ìyá tocará o solo e a cabeça daquele que prostra-se diante dele, autorizando dessa forma que se levante e em seguida lhe dará a sua bênção dos Òrìṣà para a pessoa abençoando-os.

Existem duas maneira de se realizar o Foribalẹ. Um denominado de Dọbalẹ destinado as ìyáwò que foram inciadas aos Òrìṣà cuja a essência é masculina e Yíka para os de essência feminina. Esse último ainda se divide em dois grupos; o grupo de Òṣun, Yemọja e Nãnã e o grupo de Yewa, Oba e Oya. Enquanto as divindades masculinas procedem sempre da mesma maneira.

Em algumas linhagens, aquele que pertence a Òrìànlá, somente realiza o Foribalẹ para com aquele que lhe inciou e o consagrou dentro dos mistérios do culto. Para os demais que lhe deve seu respeito, apenas se ajoelha a sua frente e com a cabeça virada para baixo, tocará o solo e a sua própria cabeça por três vezes e pedirá a benção. Esse ato é denominado de Kúnlẹ-dojúde, literalmente “ajoelhar-se com os olhos em direção ao solo”.

Importante ressaltar que na maioria dos Terreiros Tradicionais de Salvador no Estado da Bahia, os Òrìṣà não realizam o referido ato, somente “atira-se ao chão” sem colocar a cabeça, independente do Grau Sacerdotal ou status da pessoa a qual se saúda. Desta forma, somente “deita no chão” saudando o Òrìṣà Tutelar da cabeça dessa pessoa e não o Ser Humano propriamente dito. Se a pessoa estiver sentada, se levantará e receberá um abraço do Òrìṣà.

Sempre que há uma cerimônia, antes de principiar os ritos, todos devem prestar seu Foribalẹ ao sagrado, ou seja, ao santuário das dividades, denominados de Pèpéle. Em seguida presta-se reverencia ao Baba ou Ìyá e a seguir saúdam-se todo o corpo sacerdotal presente na ordem de antiguidade dentro do Terreiro. Esse mesmo procedimento se realiza quando chegamos a Casa de Candomblé.

Muito tem se perdido na atualidade o Rito do Foribalẹ. Na maior partes da vezes os membros de um Terreiro, chegam, não se purificam com banhos de ervas antes de se trocarem, descartam as saudações as Divindades Primordiais da Casa, “male mal” saúdam o Corpo Sacerdotal, assim como seus irmãos e irmãs da comunidade.


Baba Guido Olo Ajaguna.

“fi ìfẹnukonu” – O ato de beijar em nossa religião.

Sabemos que o beijo na mão significa uma maneira respeitosa de saudação a uma autoridade religiosa. O ato de beijar a mão de um Baba ou Ìyálòrìṣà, assim como de um ẹgbọn (nossos mais velhos), tem origem na Corte Papal, herdado dos antigos ritos romanos, que prestavam um certo culto ao Imperador de Roma e beijavam-lhe, não só as mãos, mas até os pés. Era um gesto de sujeição e obediência, que também se usava para pedir clemência. Dentro da hierarquia da Igreja Católica, sempre os súbditos beijavam as mãos de seus superiores, em sinal de respeito e obediência. Como o Papa e os bispos usavam um anel, o uso de beijar a mão, passou para o anel, e assim, quando se cumprimentava o Papa ou um Bispo, beijava-se-lhe o anel e não a sua mão.

Em alguma linhagens, os membros de um determinado Terreiro de Candomblé, além do tradicional beijar das mãos, beijam a palma das mãos de seus Baba e Ìyá. O beijo na palma da mão tem um significado diferente do beijo na parte de fora da mão, mas até o presente momento ninguém soube me explicar o porque desse ato e aqueles que alguma coisa relataram não tinha sentido algum (pelo menos em minha visão). Na cultura popular, o beijo na palma da mão, tem um sentido mais romântico, onde a maior parte das vezes, esse beijo é sinal de interesse amoroso, e alguns casais explicam que o beijo na palma da mão é dado para que o parceiro(a) guardem o beijo para a eventualidade de um dia estarem separados.

Acredito que todos já tenham presenciado o fato de um Òrìṣà cumprimentar uma pessoa abraçando-a e dando-lhe um beijo na testa. Com certeza esse Ser Encantado, esteja saudando o Òrìṣà Tutelar dessa pessoa, pois sabemos que a energia impregnada no corpo de um iniciado teve como ponto de partida, a parte central da cabeça. No popular o beijo na testa é um beijo que significa respeito e afeto pela outra pessoa. O beijo na testa não necessariamente é realizado entre casais, mas também pode ser entre pais e filhos, amigos e familiares.

A maioria dos Baba e Ìyá antigos dentro de nossa religião, não tem o hábito do “trocar de benção” com seus mais novos, exceto com aqueles que estão no mesmo status ou patamar que o sua soberania. Outros quando retribuem a benção não beijam a mão do outro e sim realizam a famosa “beijo de queixo”, o que em particular acho ridículo e uma atitude desnecessária.

Numa colocação “mui particular” ainda não consigo, deixar de beijar a mão daquele que beija a minha. Muitos de meus mais velhos, inúmeras vezes me chamaram a atenção do fato de eu beijar a mão dos meu próprios filhos, mesmo me justificando no fato de estar pedindo a benção do Òrìṣà de meus ìyáwò. Mas mesmo assim continuo a trocar de benção até mesmo de um abiã. Não vejo nenhum mal nisso, pois todos continuam respeitando a minha Superioridade Sacerdotal.

Mas, beijar a mão, a palma da mão ou a testa, continua ainda hoje a ser um gesto de veneração, de respeito e submissão, e ao mesmo tempo, de certa intimidade e afeto. Devemos lembrar que, os filhos costumavam beijar a mão aos seus pais, senão habitualmente, pelo menos, quando se encontravam depois de alguma ausência. Os afilhados e sobrinhos costumavam cumprimentar os seus padrinhos e tios, beijando-lhes a mão e pedindo-lhes a bênção.

Um beijo na mão e um abraço fraterno à todos os meus irmãos e irmãs da religião.

Baba Guido Olo Ajaguna.

quinta-feira, 9 de julho de 2015

ÌTANNÁ – O SIGNIFICADO DA LUZ NO CULTO AOS ÒRÌSÀ

A lamparina, também designada por candeia ou lâmpada de azeite, é constituída de um recipiente com algum tipo de óleo combustível, sobre o qual flutua um pedaço de madeira ou cortiça, com um pavio encerado fixo. Seu uso se estende desde a pré-história até os dias de hoje. Embora raramente se observa o uso das tradicionais lamparinas dentro dos cultos afro brasileiros onde são substituídas pelas “velas de cera”.


Em iorubá, a lamparina é chamada de ìtanná, e seu termo estendeu-se a sua tão sucessora e conhecida a “vela de dedo” e a “vela de sete dias”, sendo da mesma forma, uma fonte de luz utilizada desde tempos remotos, quer na sua forma simples ou acopladas em lanternas, utilizadas muito antes da descoberta da lâmpada e outros sistemas de iluminação elétrica.
Ascender uma lamparina ou uma vela é um ato de rito, de elevar o seu pedido e o seu desejo a um plano etéreo, pois assim como nas mais variadas culturas, não existe ritual sem fogo, ou melhor se dizendo, sem a presença dos quatro elementos da natureza. Ao acender um ìtanná para fazer um pedido ou iniciar um ritual, deve-se estar limpo fisicamente e também psiquicamente, afastando todos os pensamentos negativos. A importância do ìtanná é perfeitamente transmitido através dos cânticos do Asa Òsányìn – Cerimonias de Òsányìn, também conhecido por sua forma contraída sásányìn, que exaltam a simbologia desse tipo de fogo. Devo ressaltar que em meu conhecimento e entendimento adquirido ao longo de meu aprendizado, as cantigas de sásányìn não referem-se apenas as ewéfolhas, e sim a tudo aquilo que se utiliza dentro do culto, incluindo provérbios e encantamentos, repletos de metáforas e parábolas.
Os mitos nos revelam que Òsún foi quem criou a primeira lamparina. Isso pode ser perfeitamente concluído e comprovado na própria Cidade de Osogbo na Nigéria. “Nos primórdios da fundação de Osogbo, a Cidade era circundada por dezesseis belas lamparinas, que sustentavam a queima de um tipo de chama mistica, da qual queimava durante o período entre o crepúsculo e o amanhecer. Este “belo circundante” era denominado de Atupa Olojù mérìndílógún e destinava-se a manter a proteção e a glória do lugar durante a noite. Esta tradição também nos revela que o conteúdo daquilo que mantinha a chama acessa, continha uma espécie de magia, que protegia a Cidade de ataques humanos e pertubações sobrenaturais”. Na atualidade o Atupa Olojù mérìndílógún é aceso apenas nas Festividade Anual da cidade.
Os antigos descendentes de escravos, preparavam seus ìtanná, nos mais variados tipos de recipientes: cabaça, barro, louça, porcelana e ferro, e com os mais variados ingredientes. E mesmo quando do uso de velas de cera, as mesmas não eram colocadas diretamente sob o solo e sim num prato fundo com algum tipo de líquido. Após o seu uso as velas e lamparinas são despachadas cada qual em seu caminho ou lugar e não descartada aleatoriamente.
No entanto, a virtude das lamparinas e velas, não reside apenas no fogo que arde, suplicante, mas nas propriedades e substâncias agradáveis aos Òrìsà que se introduzem no recipiente em que esta se fixa. Com exceção das velas de cera destinadas aos mortos que são fixadas diretamente no solo, que simbolizam a “luz da alma” em sua força ascensional, a pureza do espirito que sobe aos céus.
A quem diga que o ato de acender um ìtanná para um Òrìsà está relacionado puramente ao sincretismo religioso, e que o mesmo não carece, pois tem “luz própria” mas acredito que esse hábito entre nós, seja uma forma muito comum de rogar as nossas divindades, consiste em acompanhar o pedido que se faz acendendo para eles uma vela de cera ou uma lamparina.
E uma opinião mui particular, as lamparinas e as velas, são instrumentos de trabalho que se utilizam para alcançar qualquer objetivo, pois acompanhando o imprescindível ebo oferenda, elas são acesas para atrair a sorte, prosperar, tranquilizar, enamorar, unir, casar, amarrar, arranjar emprego, progredir no trabalho, ganhar a confiança dos chefes, influir, sair vitorioso de um processo e em assuntos de justiça, afastar pessoas que perturbem, obrigar quem está longe a regressar se tem saudades dela, vencer um rival, incapacitar um inimigo e um maledicente. Acendendo um ìtanná, também se provoca o mal: desmancha-se um lar, um negócio; desfaz-se um noivado ou um casamento, amarra-se a vida de alguém, provoca a doença e mata-se.
Chamo a atenção para a importância das velas de cera e lamparinas nos Cultos aos Òrìsà no Brasil e o sincretismo que elas evidenciam. Os antigos escravos que aqui desembarcaram, já faziam o uso de lamparinas, que em épocas remotas acendiam o fogo e jogavam várias substâncias que ardiam em suas fogueiras mágicas e que no Novo Mundo, esse “fogo mítico” fosse incorporado a suas práticas religiosas.
A “Era da Eletricidade” desalojaram em parte os ìtanná dos Terreiros de Candomblé, sobretudo nos quartos de santo, que hoje em dia dispensam sua iluminação através da vela de cera, lamparinas e muito menos dos antigos candieiros. Com exceção dos Babalòrìsà e Ìyálòrìsà tradicionalistas, que em suas Casas de Santo, as velas de cera são tão imprescindível a seu sacerdócio como qualquer outros itens utilizados em seus ritos e cerimonias.
De um modo geral, as velas e lamparinas nos lembram a luz do Deus criador e todas as divindades, deidades, entidades e santos, que vem ao mundo para iluminar nossa existência. Um Símbolo de Luz resultante de uma atitude compreensiva, a clareza da mente que se abre para penetrar no inconsciente e o fertilizar.


Baba Guido Olo Ajaguna.

quarta-feira, 8 de julho de 2015

A CERIMONIA DE LAVAGEM DAS CONTAS


A CERIMONIA DE LAVAGEM DAS CONTAS

Durante os ritos preparatórios que antecedem a cerimonia do iborí de um abiã, será confeccionado um colar de miçangas brancas, conhecido entre o povo de santo pelo nome de fio de contas e denominado na língua iorubá pelo termo ìlekè. As contas de porcelana, depois de enfiadas em fio de algodão virgem, são imersas em uma mistura de águas e folhas de Òsàlá piladas ou maceradas a mão, associadas a alguns outros ingredientes. Esse fio de conta representará o Òrìsà Ajalá – aquele que criou todas as cabeças e o próprio Òrìsànlá – o criador de todos os corpos, pois se os pés sustentam o corpo por sua vez sustenta a cabeça.

Após a cerimonia do borí e for determinado a Divindade Tutelar do abiã, será confeccionado um outro fio de conta nas cores correspondente, lavado com folhas e substancias que estejam ligadas ao seu Òrìsà. Em alguns casos, dos quais não são raros, um animal deverá ser oferecido ao Òrìsà e seu respectivo ìlekè deverá permanecer por três dias dentro do assentamento.

A cerimônia da lavagem das contas”, é por assim dizer, a inserção do neófito no universo mítico e místico do candomblé. Não se trata de um simples adorno e sim uma marca da Òrìsà Tutelar daquele que o ostenta. Uma fonte de energia que irá proteger aquele que o usa, da mesma forma que o faz um amuleto. Uma identificação que remete o indivíduo ao seu lugar na comunidade do Terreiro.
Hoje em dia, é costume notar uma única pessoa usando vários ìlekè de vários Òrìsà. Importante ressaltar que o fio de conta, seja lá qual for que não tenha se submetido a uma sacralização, não passa de um simples adorno, pois encontra-se fora do contexto religioso.

Baba Guido Olo Ajaguna

terça-feira, 7 de julho de 2015

A INTERNET E A RELIGIÃO NA ATUALIDADE



Em tempos atuais, africanos e ocidentais, escrevem textos e mais textos, nos quais repetem continuamente o mesmo tema, numa carreira de copiladores que raras vezes suprem ou acrescentam algo de novo. Reescrevem seus textos e publicam na web, para logo se auto intitularem autores de um texto do qual, já muito trilhado pelos infinitos sites e não poucas vezes sem fundamentação alguma, salvo com exceções de alguns que contenham uma considerável didática. Nem tudo se repete, existem artigos sobre a Tradição e Religião Iorubá excelentes, de nível acadêmico que recebemos atualmente da África Negra e de Universidades de todas as partes do mundo. Encontramos na Internet periódicos em PDF e HTML, alguns grátis outros no valor minimo de US$ 10,00, nem todos são repetidos, mas unicamente, muitos deles com conteúdo de sensatez em matéria de religião e lógica.
Há uma grande verdade no que se diz respeito a ter muita cautela ao escolher a “leitura de cabeceira” e ter um referencial confiável em matéria de livros e autores. Dentro do quadro figurativo penso na Internet como um imenso garimpo, podemos encontrar uma infinidade de pedras, algumas preciosas, outras semi preciosas e muitas sem valor algum. Muitos dizem e afirmam algo novo, porque defendem uma nova teoria e pontos de vista que visam retificar de uma maneira ou de outra seus pontos de incoerência, consideradas absurdas, dos quais poderíamos aqui citar vários exemplos. Mas sempre houve este problema e a princípio posso afirmar que isso tão cedo não terminará. Hoje em dia, mas do que nunca, há de saber que estamos em uma época que as comunicações on-line revolucionam o mundo real e o virtual, com informações confiáveis e duvidosas.
Porque expor uma didática sem suporte religioso e muito menos lógico? Porque confundir mais ainda adeptos e simpatizantes com informações deturpadas e equivocadas? Uma única resposta para as duas perguntas: simplesmente o ser humano se apoia muito no conceito do “Livre Arbítrio” e o da Livre Expressão”, já que existem diversos níveis de compreensão e aceitação das realidades que o amparam para aplicar esses direitos.” Quanto de nós dedicamo-nos ao estudo profundo (o que muitos não o fazem porque consideram este tipo de estudo enfadonho, tedioso ou estúpido) na busca dos porquês para uma melhor compreensão de toda ou boa parte de nossa religião. Seria aconselhável que antes de continuar como um exímio papagaio, repetindo inconsciências e incoerências, se dedicassem na busca das “raízes dos porquês”, para que tenham uma visão consciente do que estão fazendo e o que estão erroneamente praticando, simplesmente por estarem apoiado no conceito do Livre Arbitrio e da Livre Expressão.
A Internet nos dispõe à possibilidade de iniciar um novo grupo a cada minuto. Ao contrário dos que se mantem “vivo e ativo” outros não perduram mais do que alguns meses. Seus proprietários e moderadores dedicam-se quase o dia todo, por vários anos sempre tratando-o com decência, seriedade e criatividade religiosa, para que em alguns anos possa existir um grande número de pessoas sérias no mesmo. Mas para isso acontecer, terá que convencer os membros participantes do grupo, com seus níveis consideráveis de debates e tópicos interessantes, com suas didáticas expostas, inéditas e não a mesma repetição tediosa de sempre, tanto sobre Ifá quanto Òrìsà. Infelizmente, realmente é isso que se encontra em cada espaço que temos disponível neste imenso mercado virtual, pura repetição, ao ponto de chegar ao limite da saturação. Na maior parte da vezes não se aprecia um ponto de vista adequado nem novo a uma época em que a cada momento, chegam pessoas cada vez mais cultas e mais reflexivas.
Alguns Internautas manejam muitas informações, seja boa ou ruim e em grupo de debates surgem as perguntas e questionamentos que antes não poderia ser feito, já que não existia no mercado virtual, tanta informação como hoje em dia e muito menos a Internet. De suma importância, é saber manejar de forma responsável as informações expostas ao público, a Internet pode ser uma “faca de dois gume”, mas também pode ser usada inteligentemente em prol das tradições
Òrìsà e Ifá, seja na diáspora ou no tradicionalismo. Criticas sempre irão existir, disso não há duvidas, não sou, nem somos uma moeda de ouro para agradar a todos.

Baba Guido Olo Ajaguna


MEDICINA TRADICIONAL IORUBÁ





Em nenhum período na História da Humanidade, esteve o homem sem algum tipo de Filosofia Médica, por mais curioso que isso possa parecer aos olhos da sociedade moderna. Nossos mais remotos ancestrais baseavam sua teorias médicas quase que inteiramente na magia, denominada entre o povo iorubá de idán, e tinham como certo, por exemplo, que a doença de um enfermo poderia ser transferida para um objeto inanimado como uma árvore ou mesmo para um animal. Os que detinham este poder eram denominados na antiguidade de bruxos ou feiticeiros e dentro da Cultura Iorubá, estes são chamados de Osó.
Por muito tempo, a medicina tradicional da África foi subestimada pela ciência ocidental. Hoje, séculos depois de descaso com as técnicas de cura africanas, pesquisadores do mundo todo começam a reconhecer a eficácia dos tratamentos desenvolvidos. Sobretudo com sistemas integrados de saúde, além de mais acessível e sustentável, a medicina tradicional tem-se provado preciosa na ajuda do combate a doenças como câncer, transtornos psiquiátricos, hipertensão arterial, vitiligo, cólera, doenças venéreas, epilepsia entre outros. De disciplina holística que envolve fitoterapia indígena e espiritualidade, a solução da medicina tradicional, diferente da filosofia do ocidente, não busca apenas a cura e a recuperação dos sintomas físicos, mas sim um equilíbrio entre paciente, ambiente cultural e mundo energético, procurando a reinserção social e psicológica do doente dentro de sua comunidade. As práticas e experiências da medicina são sabedorias passadas de geração em geração, com formações sociais que implicam em lições de procedimentos de diagnóstico, recursos medicinais, preparação de receitas médicas, administração dos medicamentos e, sobretudo, treinamento teórico, prático e espiritual adequado.
Outro princípio da Medicina Tradicional dos povos antigos, poderia ser chamado de Lei da Similaridade. De acordo com essa lei, acreditasse que seja possível determinar por certas características externa de uma planta, erva ou flor em particular, o tipo de doenças que se esperava que ela aliviasse ou curasse. Veremos mais adiante como a Medina Tradicional Iorubá, enquadra na referida Lei.
No centro da teoria primitiva está a doutrina de que a morte e a doença podem ser causadas por magia maléfica, por ordem de um inimigo contra uma pessoa ou comunidades. Um fato curioso que mesmo hoje existam comunidades no mundo para cujos os membros o termo “morte natural” não tenha significado, a morte sendo considerada como uma intervenção sobrenatural do processo da vida que normalmente continuaria para sempre.
O oficio de Onísègun, aqui denominado de “médico curandeiro”, preparavam suas receitas de uso medicinal denominados de oògùn baseados puramente nos elementos da natureza. Essa função exige deste um vasto conhecimento do uso das plantas para a preparação de receitas e remédios tradicionais; seus diversos nomes e as curtas frases, denominadas de ofòencantação os quais enunciam suas qualidades terapêuticas. Essas encantações, definem a ação esperada da planta em questão comportam um verbo geralmente monossilábico que figuram no nome da planta, servindo assim para auxiliar a memorização, e que este “verbo atuante” da encantação pronunciada também, é uma das sílabas do nome da planta utilizada. O Onísègun se submetia a um longo e difícil aprendizado, já que uma mesma planta possuía nomes diferentes. Este se dava ao fato de caso a sílaba necessária para que uma receita ou ação se cumprisse não figurasse no nome da planta, este era substituído por outro nome onde a sílaba (verbo atuante) estivesse presente e, por consequência, outro nome era dado a mesma planta.
Na Medicina Ocidental o conhecimento do nome científico das plantas usadas e sua características farmacológicas são indispensável, contrário da Medicina Tradicional Iorubá, onde o conhecimento dos ofò transmitidos oralmente são o essencial, pois carregam em seu interior a definição da ação esperada de cada uma das plantas que entram na manipulação da receita. A Poesia Iorubá, inclui uma rima fonética, semelhante aos Mantras Hindu e essa rima fonética leva a força de realização do àse, induzido pela vibração mental daquele que o profere, afim de ativar as energias que necessárias para a elaboração dos complexos remédios e “trabalhos mágicos”. As rimas fonéticas serão pronunciadas rítmica e pausadamente ou simplesmente cantadas durante o processo de confecção de uma “medicina” em questão.
O Odù Ogbe Òtùrùkpòn nos revela que Òrúnmìlà saiu em busca de Òsányìn – A Divindade da Flora e da Fauna, habitante da floresta, Grande Sábio nos preparos de remédios e das magias, conhecedor dos encantamentos que davam suas poções curativas forças para vencer as enfermidades... ao que se sabe, ninguém poderia se aproximar de Òsányìn com risco de ser queimado com seus carvões incandescente... Òrúnmìlà tendo o devido conhecimento da questão, consulta o oráculo e realiza as oferendas determinadas por Ifá... neste citado Odù, Òrúnmìlà recolhe várias folhas e com estas prepara um Àgbo – De cocção vegetal e sai em busca do “Senhor das Folhas”... ao encontrar Òsányìn como de costume com todos aqueles que atrevessem entrar em seus domínios, lança suas brasas em direção a Òrúnmìlà, entretanto a sua frente encontrasse um pote com o líquido extraído das plantas e todas as brasas lançadas não atingiam Òrúnmìlà a não ser cair dentro do pote apagando-se por completo... foi então que Òsányìn indefeso contra Òrúnmìlà celebra um pacto em ajudá-lo a combater a todas as enfermidades, mas que em cada um dos preparos com o “sumo das folhas” deveria haver um carvão incandescente para transmitir a este “trabalho” o àse de Òsányìn...
Òsányìn passa a ser o principal assistente de Òrúnmìlà, mas de vez em quando, ousava em não obedece-lo, se escondendo na mata e não realizando os serviços ordenados por Òrúnmìlà. Essa não subordinação, se dava ao fato de que Òsányìn é o verdadeiro conhecedor das virtudes e das propriedades medicinais e mágicas das plantas e as vezes Òsányìn se sentia usado por Òrúnmìlà. O Odù Ìròsùn Òsé, menciona que Sàngó tomando conhecimento do fato de Òsányìn estar escondido de Òrúnmìlà na mata, este envia vários raios que atingem o deixando deformado e assim Òsányìn jura obedecer para sempre as ordens de Ifá. Após o fato ocorrido, fica estabelecido que Òsányìn para entregar seu poder completo, deveria expor ao fogo e ao calor as preparações medicinais.
Através dos tempos a Medicina Tradicional tem sido substituída pela Medicina Moderna e assim substituindo os remédios naturais e a Ciência da Curar, dos quais legaram nossos antepassados, por remédios sintetizados em laboratórios. Em todas as partes do mundo a Medicina Natural existe à séculos, mas não podemos negar o fato de que a Medicina Tradicional mais completa e exata conhecida é a Medicina Iorubá. A Medicina Iorubá está ressaltada por seu caráter científico , por sua ampla diversidade, sua lógica e sobretudo, pela beleza poética atribuídas aos encantamentos, que como vimos, dão o poder vital e mágico aos preparos medicinais.
Todas as enfermidades proveem de um vírus ou bactérias e esta palavra na Medicina Tradicional Iorubá significa “veneno”, baseado no sentido da toxina liberada por esses micro-organismos.
O Odù ÒyèOgbe, cita... Ode s'àpo yo ro Òsányìn m'oya tu àpo yo oògùn... “O Caçador abre a sacola e saca o veneno, Òsányìn abre a bolsa e saca o antídoto”
Esta metáfora significa que “cada veneno tem seu antidoto” e “cada enfermidade tem sua cura”. Esta Tradição Oral está especificamente no princípio da polaridade das Leis Herméticas e que neste caso pode-se afirmar categoricamente que através do mesmo “veneno” se elabora o “antídoto” como no caso das vacinas. Os que praticam a Medicina Tradicional Iorubá, acreditam que as enfermidades estão contidas em pequenas bolsas dentro do corpo, entende-se que essas “bolsas” são as centenas de glândulas espalhadas pelo corpo inteiro e que devido a vários fatores, tais como o consumo excessivo de álcool, substâncias tóxicas, exposição a substâncias cancerígenas, aqueles que excedem os limites de sua capacidade humana; quando isso e outros fatores ocorrem, essas “bolsinhas” se rompem, liberando os micro organismos na corrente sanguínea, que desencadeiam a doença até então inerte.
A principal base da Medicina Tradicional Iorubá, está estruturada na crença de não somente curar a doença como o de aniquilar estes micro organismos quando ainda estão inativos. Para que os remédios sejam eficaz, devem empregar uma combinação de substâncias amargas – o koro, picantes – o ta e ágria – o kon. Preparos esses que podem serem aplicados no corpo ou ingeridos de acordo com a receita prescrita, pois as substâncias que contém estas combinações matam os germes causadores de diversas enfermidades. Muito comum, observar nas mais diversas receitas de remédios tradicionais, a adição de ovos de aves, substâncias adocicadas e alcoólicas, pois essas substâncias tem o poder de atrair e agrupar os germes, seria como uma espécie de armadilha, para que os micro organismos “consumam” os ingredientes do medicamento e possam ser exterminados. Ao mesmo tempo cada remédio dentro da Medicina Tradicional, contém substâncias purgativas e depurativas do sangue, com a finalidade de provocar rápida e abundante evacuação intestinal e urinária para que os excesso de toxina viral seja liberada do corpo.
Se faz notar que quase todas as preparações da Medicina dos Iorubá incluem noz-de-cola – Obí e veneno-amargo – Orógbó, pois a princípio o sabor dessas sementes são adocicadas, em seguida apresentam um forte sabor amargo. Também utilizam pimenta-da-costa – ataare dos quais apresentam um sabor doce-picante que “camuflam” o sabor de outras substâncias.
A preparação de um determinado remédio, a princípio por determinação de Ifá, que através das figuras – Odù, revela a enfermidade que se padece, e prediz como curar e ou mesmo preveni-la, da mesma forma que os Ocidentais os Iorubás acreditam que “a prevenção é melhor do que a cura”. Nesta consulta oracular, será revelado as proibições e os tabu, denominados de eèwò numa espécie de “dieta”. Dentro do filosofia de Ifá, os eèwò pertencem aos Valores Éticos e Morais da Religião, violar uma proibição é cometer um sacrilégio, neste contexto devemos entender que afrontar um eèwò faria com que as doenças propensas se manifestem prontamente no individuo. A maior parte dos religiosos de nossa religião, baseiam-se no fato de determinar um tabu alimentar, pela forma que este molesta o corpo do individuo, seja uma indigestão, diarreia ou uma reação alérgica; sendo este um conceito equivocado, já que quando se estabelece um eewò é possível que este quando violado não faça mal algum de imediato, mas depois de um longo período este se manifeste de várias formas, inclusive em uma doença que poderia ter sido evitada com a obediência prescrita e determinada por Ifá.
Dentro da Medicina Tradicional, para a cura das mais diversas enfermidades se utilizam todos os elementos da natureza, ou seja, tudo aquilo que existem no Reino Animal, Vegetal e Mineral, e se fará uso de cada ingrediente, partindo como base as particularidades de cada Reino, a vibração ou a energia específica que os caracterizam. Para um melhor entendimento, se um individuo padece de uma enfermidade provocada pela ingestão de água infectada, deverá recorrer a certas plantas que vivem precisamente nesse meio ambiente, o que poderia retomar o pensamento de que o “veneno se transforma em antídoto”; da mesma forma que plantas de folhas e flores de coloração vermelha, são utilizadas para o preparo de remédios com a finalidade de curar enfermidades no sangue; plantas que florescem com suas flores amarelas, são utilizadas para o tratamento da icterícia; plantas cuja as folhas apresentem manchas tem a propriedade de curar várias doenças de pele; plantas de características ásperas, de coloração verde escura e com pequenos pontos pretos, tem a propriedade de curar a anemia. Todos esses métodos representavam uma percepção de que o meio ambiente tem “intenção e significado” e que os segredos da boa saúde se encontravam dentro dos limites do entendimento humano. Cabe salientar que as plantas dentro da Medicina Tradicional e da Litúrgica dos Iorubás são classificadas em quatro compartimentos: Folhas da Água, Folhas do Ar, Folhas da Terra e Folhas do Fogo.
Existem várias formas de preparações dentro da Medicina Tradicional, cito as cinco mais utilizadas:

  1. ÀGÚNMÚ (Àba – porção + Gúnpò – macerar + Mú – beber) Como seu nome indica, este tipo de manipulação, consistem em certo ingredientes que após serem triturados em um almofariz, são secos ao sol, pulverizados e ingeridos com algum tipo de líquido.
  2. È ( pó medicinal ) significa “medicina queimada”; este é o produto de certos ingredientes incinerados ao fogo lento que deve ser movido constantemente. Utilizado para ingeri-lo com algum tipo de líquido ou mel-de-abelha. Também se utiliza para colocar em pequenos cortes pelo corpo, denominados de gbéré.
  3. ÀGBO (decoção vegetal) Este elaborado e complexo preparo não consiste somente em plantas e sim nos mais diversos ingredientes, inclusive o sangue de determinados animais. Existem duas classificações deste preparado:
    ÀGBO TUTU – macera as folhas em um pilão, acrescenta-se os demais ingredientes, onde são deixados a descansar por um período em água, que podem variar dos mais diversos lugares.
    ÀGBO GBÍGBÓNÁ – o mesmo procedimento anterior, porém são depositados em água fervente numa espécie de infusão. Neste são utilizadas determinadas espécies de plantas, pois sabemos que algumas delas são vetados o ato de calor. Aqui não trata-se de ferver ou cozinhar as plantas o que destruiria boa parte de sua propriedades mágico-medicinais. Ambos os tipos de preparos são prescritos para beber, banhar-se ou mesmo lavar apenas uma parte do corpo.
  4. ÀSÈJE (Àba – porção + Sè – cozinhar + Je – comer) seu nome indica, cozinhar e comer, significa em outras palavras, alimento medicinal. Este preparo a base de pó com um ou mais ingredientes, são preparados numa espécie de caldo quente, que deverá conter, azeite-de-dendê, cebola, pimenta e sal. Esta sopa se assim podemos denominar, irá acompanhada com pedaços de inhame ou qualquer outro tubérculo, pedaços de carne vermelha ou branca, mas sempre em pratos separados, pois o recipiente do caldo deverá estar na mão esquerda, como em todas as preparações dentro da Medicina Tradicional e utilizará a mão direita para consumir os demais alimentos que acompanha a refeição medicinal.
  5. OSE DÚDU (sabão medicinal) também conhecido popularmente como sabão-da-costa do qual serve de base para a maioria dos sabões medicinais. Sua coloração escura se da ao fato de ser elaborado com o óleo escuro de certas sementes e ingredientes pulverizados. Se utiliza para banhos, mas em determinadas ocasiões é preparado especialmente para lavar a boca em minúsculos pedaços sem ingerir ou mesmo sem enxaguar a boca. Neste tipo de “medicina” a mucosa da boca irá absorver as propriedades medicinais.

Cada tipo de medicina deverá ser preparada, através das indicações de Ifá, pois o remédio que cura um individuo, poderia ser prejudicial a outro. Também temos que levar em conta, que muitos dos ingredientes utilizados são antagônicos ou contrários entre si e não devem ser mesclados uns com os outros, pois se corre o risco de em vez de remédio confeccionar um veneno. Outras observações que deve ser feita, é a questão de muitas plantas utilizadas na Medicina Tradicional são consideradas tóxicas e altamente venenosa, então nesta se presta maior atenção na quantidade a ser utilizada na manipulação.
Podemos concluir que para se praticar a Medicina Tradicional dos Iorubás, necessita o Conhecimento, o Entendimento e a Sabedoria milenar de um povo naturalista, que detém o segredo das plantas, elementos naturais, assim com suas combinações precisas, encantamentos e rezas que dão a manipulação uma energia mítica para um perfeito e harmonioso funcionamento do qual consiste em segredos legados aos Babaláwo e aos Olúwo Òsanyìn.

Baba Guido Olo Ajaguna




BÀBÁLÒSÁNYÍN – O Sacerdote das Folhas



Aos homens que se iniciam nos mistérios do Culto à Ọ̀sányìn e juram lealdade e fidelidade à Divindade das Folhas, são denominamos de Ọmọ̀sányìn, Olọ̀sányìn ou Bàbálòsányín.


São os sumos sacerdotes de Ọ̀sányìn, mas nem sempre Ọ̀sányìn Olùwa Ewé seja seu Orixá Tutelar. Ao Babalawo estão a árdua tarefa de entregar-lhes seus fundamentos, sobre tudo um objeto de suma importância denominado de Oniṣẹ Ọ̀sányìn – uma espécie de amuleto, que nada poderá realizar sem este misterioso objeto.

Raros são aqueles que ostentam esse magnífico título, não por incompetência ou irresponsabilidade, mas sim pelos anos a fio de um longo período de dedicação e um complexo aprendizado. Deverão aprender o nome ioruba de cada planta, suas substitutas, suas qualidades terapêuticas e mágicas, suas classificações entre os quatro elementos da natureza, à que Odú ou mesmo Òrìṣà estão relacionadas; sem deixar de mencionar os encantamentos de suma importância para ativar as “forças mágicas” requeridas para os distintos fins. A este encantamento damos o nome de Ọfọ̀ que dentro deste está inserido o verbo atuante cuja a função é viabilizar as potencialidades latentes dos vegetais e as cantigas de folhas, denominadas de Ãsà Ọ̀sányìn ou simplesmente Sàsányìn, que igualmente ativam o poder mágico e terapêutico da espécie nominada.

Devem conhecer a maior parte dos Segredos de Ọ̀sányìn, denominados de iyẹ ou iṣe, estes preparados a base de animais, vegetais e minerais, que depois de secos ora ao sol, ora ao calor do fogo, são pulverizados.

Também devem conhecer os “tributos” a serem pagos à Ọ̀sányìn para que as ervas colhidas não percam o seu àṣẹ; por isso é comum levar as matas moedas, tabaco, aguardente, melado de cana, mel de abelha, acaçá, obì, entre outras oferendas. Ademais, solicitam seu consentimento para colher as folhas e lhe explicam claramente os motivos de sua visita à floresta.

“As folhas tem suas maiores forças e boas virtudes ao romper da aurora, na madrugada, antes que Ọlọ́run desperte. De noite, as folhas dormem e não devemos despertá-las, porque a folha descansa em paz e se arrancada durante a noite de seu leito, a folha se zanga, não faz efeito e não cumpre com seu objetivo. Conhecer as folhas coringas, ou melhor, as folhas que antes do meio dia pertencem a uma Divindade e após o meio dia pertencem a outra, é de suma importância para o Olọ̀sányìn.”

Em algumas linhagens, as mulheres são vedadas em realizar a maior partes das cerimônias destinadas à Ọ̀sányìn, sobretudo em seu ciclo menstrual. Quando cessar por definitivo este ciclo fisiológico, ou seja, entrar no período da menopausa, a mulher tudo poderá fazer para o Senhor das Folhas.

Conhecedor das virtudes das ervas, a pratica do Olọ̀sányìn está intimamente associada a do Babalawo, porém as transformação ocorridas a nível das relações de poder o trouxeram, primeiro, para a esfera de uma só comunidade e a seguir colocaram-no para fora, na sociedade abrangente sob a forma, às vezes de mateiro ou simplesmente vendedor de ervas, muitas vezes, sem vínculo estreito com algum Terreiro de Candomblé em especial, e sem sustentar este título.

Em vários Terreiros de Candomblé, esta função é desempenhada pelo próprio Baba ou Iyalòrìṣà ou algum Ẹ̀gbọ́n, da Casa de Candomblé. Na maior parte da vezes as folhas são compradas em feiras livres ou mercados públicos.
Tenho o devido conhecimento de um “comerciante de folhas” que em seu modesto box, mas rico em folhas, mantem na entrada de seu estabelecimento comercial, um assentamento de Ọ̀sányìn e nos garante que suas folhas são colhidas de acordo com os ensinamentos de seus iniciadores.

Em poder dos Sacerdotes de Ọ̀sányìn está o poder de curar ou matar, por meios de preparos a base de ervas, juntamente com os Segredos de Ọ̀sányìn. Utilizar deste saber para trabalhos benéficos ou maléficos é uma opção. Mas lembrando que durante a Cerimônia de Juramento menciona-se o fato daqueles que utilizam-se das faculdades botânicas e mágicas para se beneficiar do mal, carecem de desenvolvimento espiritual. Sem dúvida alguma, estes terão que defrontar com as consequências de seus atos nesse misterioso mundo religioso.

Baba Guido Olo Ajagúnà