A lamparina, também designada por candeia ou lâmpada de azeite, é constituída de um recipiente com algum tipo de óleo combustível, sobre o qual flutua um pedaço de madeira ou cortiça, com um pavio encerado fixo. Seu uso se estende desde a pré-história até os dias de hoje. Embora raramente se observa o uso das tradicionais lamparinas dentro dos cultos afro brasileiros onde são substituídas pelas “velas de cera”.
Em
iorubá, a lamparina é chamada de ìtanná,
e seu termo estendeu-se a sua tão sucessora e conhecida a
“vela de dedo” e a “vela de sete dias”, sendo da mesma forma,
uma fonte de luz utilizada desde tempos remotos, quer na sua forma
simples ou acopladas em lanternas, utilizadas muito antes da
descoberta da lâmpada e outros sistemas de iluminação elétrica.
Ascender
uma lamparina ou uma vela é um ato de rito, de elevar o seu pedido e
o seu desejo a um plano etéreo, pois assim como nas mais variadas
culturas, não existe ritual sem fogo, ou melhor se dizendo, sem a
presença dos quatro elementos da natureza. Ao acender um ìtanná
para
fazer um pedido ou iniciar um ritual, deve-se estar limpo fisicamente
e também psiquicamente, afastando todos os pensamentos negativos. A
importância do ìtanná
é perfeitamente transmitido através dos cânticos do Asa
Òsányìn
– Cerimonias de Òsányìn,
também conhecido por sua forma contraída sásányìn,
que exaltam a simbologia desse tipo de fogo. Devo ressaltar que em
meu conhecimento e entendimento adquirido ao longo de meu
aprendizado, as cantigas de sásányìn
não referem-se apenas as ewé
– folhas,
e sim a tudo aquilo que se utiliza dentro do culto, incluindo
provérbios e encantamentos, repletos de metáforas e parábolas.
Os
mitos nos revelam que Òsún
foi quem criou a primeira lamparina. Isso pode ser perfeitamente
concluído e comprovado na própria Cidade
de Osogbo
na Nigéria. “Nos
primórdios da fundação de Osogbo,
a Cidade era circundada por dezesseis belas lamparinas, que
sustentavam a queima de um tipo de chama mistica, da qual queimava
durante o período entre o crepúsculo e o amanhecer. Este “belo
circundante” era denominado de Atupa
Olojù
mérìndílógún
e destinava-se a manter a proteção e a glória do lugar durante a
noite. Esta tradição também nos revela que o conteúdo daquilo que
mantinha a chama acessa, continha uma espécie de magia, que protegia
a Cidade de ataques humanos e pertubações sobrenaturais”. Na
atualidade o Atupa
Olojù
mérìndílógún
é aceso apenas nas Festividade Anual da cidade.
Os
antigos descendentes de escravos, preparavam seus ìtanná,
nos mais variados tipos de recipientes: cabaça, barro, louça,
porcelana e ferro, e com os mais variados ingredientes. E mesmo
quando do uso de velas de cera, as mesmas não eram colocadas
diretamente sob o solo e sim num prato fundo com algum tipo de
líquido. Após o seu uso as velas e lamparinas são despachadas cada
qual em seu caminho ou lugar e não descartada aleatoriamente.
No
entanto, a virtude das lamparinas e velas, não reside apenas no fogo
que arde, suplicante, mas nas propriedades e substâncias agradáveis
aos Òrìsà
que se introduzem no recipiente em que esta se fixa. Com exceção
das velas de cera destinadas aos mortos que são fixadas diretamente
no solo, que simbolizam a “luz da alma” em sua força
ascensional, a pureza do espirito que sobe aos céus.
A
quem diga que o ato de acender um ìtanná
para
um Òrìsà
está relacionado puramente ao sincretismo religioso, e que o mesmo
não
carece, pois tem “luz própria” mas acredito que esse hábito
entre nós, seja uma forma muito comum de rogar as nossas divindades,
consiste em acompanhar o pedido que se faz acendendo para eles uma
vela de cera ou uma lamparina.
E
uma opinião mui particular, as lamparinas e as velas, são
instrumentos de trabalho que se utilizam para alcançar qualquer
objetivo, pois acompanhando o imprescindível ebo
–
oferenda,
elas são acesas para atrair a sorte, prosperar, tranquilizar,
enamorar, unir, casar, amarrar, arranjar emprego, progredir no
trabalho, ganhar a confiança dos chefes, influir, sair vitorioso de
um processo e em assuntos de justiça, afastar pessoas que perturbem,
obrigar quem está longe a regressar se tem saudades dela, vencer um
rival, incapacitar um inimigo e um maledicente. Acendendo um ìtanná,
também se provoca o mal: desmancha-se um lar, um negócio; desfaz-se
um noivado ou um casamento, amarra-se a vida de alguém, provoca a
doença e mata-se.
Chamo
a atenção para a importância das velas de cera e lamparinas nos
Cultos
aos Òrìsà
no Brasil e o sincretismo que elas evidenciam. Os antigos escravos
que aqui desembarcaram, já faziam o uso de lamparinas, que em épocas
remotas acendiam o fogo e jogavam várias substâncias que ardiam em
suas fogueiras mágicas e que no Novo Mundo, esse “fogo mítico”
fosse incorporado a suas práticas religiosas.
A
“Era da Eletricidade” desalojaram em parte os ìtanná
dos
Terreiros de Candomblé, sobretudo nos quartos de santo, que hoje em
dia dispensam sua iluminação através da vela de cera, lamparinas e
muito menos dos antigos candieiros. Com exceção dos Babalòrìsà
e Ìyálòrìsà
tradicionalistas, que em suas Casas de Santo, as velas de cera são
tão imprescindível a seu sacerdócio como qualquer outros itens
utilizados em seus ritos e cerimonias.
De
um modo geral, as velas e lamparinas nos lembram a luz do Deus
criador e todas as divindades, deidades, entidades e santos, que vem
ao mundo para iluminar nossa existência. Um Símbolo
de Luz
resultante
de uma atitude compreensiva, a clareza da mente que se abre para
penetrar no inconsciente e o fertilizar.
Baba
Guido Olo Ajaguna.
Estava navegando em busca de algo sobre o fogo sagrado africano (estou lendo um livro que fala sobre: Na senzala uma flor) e me deparei com esse artigo. Adorei 🔥👏🏿
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