quinta-feira, 9 de julho de 2015

ÌTANNÁ – O SIGNIFICADO DA LUZ NO CULTO AOS ÒRÌSÀ

A lamparina, também designada por candeia ou lâmpada de azeite, é constituída de um recipiente com algum tipo de óleo combustível, sobre o qual flutua um pedaço de madeira ou cortiça, com um pavio encerado fixo. Seu uso se estende desde a pré-história até os dias de hoje. Embora raramente se observa o uso das tradicionais lamparinas dentro dos cultos afro brasileiros onde são substituídas pelas “velas de cera”.


Em iorubá, a lamparina é chamada de ìtanná, e seu termo estendeu-se a sua tão sucessora e conhecida a “vela de dedo” e a “vela de sete dias”, sendo da mesma forma, uma fonte de luz utilizada desde tempos remotos, quer na sua forma simples ou acopladas em lanternas, utilizadas muito antes da descoberta da lâmpada e outros sistemas de iluminação elétrica.
Ascender uma lamparina ou uma vela é um ato de rito, de elevar o seu pedido e o seu desejo a um plano etéreo, pois assim como nas mais variadas culturas, não existe ritual sem fogo, ou melhor se dizendo, sem a presença dos quatro elementos da natureza. Ao acender um ìtanná para fazer um pedido ou iniciar um ritual, deve-se estar limpo fisicamente e também psiquicamente, afastando todos os pensamentos negativos. A importância do ìtanná é perfeitamente transmitido através dos cânticos do Asa Òsányìn – Cerimonias de Òsányìn, também conhecido por sua forma contraída sásányìn, que exaltam a simbologia desse tipo de fogo. Devo ressaltar que em meu conhecimento e entendimento adquirido ao longo de meu aprendizado, as cantigas de sásányìn não referem-se apenas as ewéfolhas, e sim a tudo aquilo que se utiliza dentro do culto, incluindo provérbios e encantamentos, repletos de metáforas e parábolas.
Os mitos nos revelam que Òsún foi quem criou a primeira lamparina. Isso pode ser perfeitamente concluído e comprovado na própria Cidade de Osogbo na Nigéria. “Nos primórdios da fundação de Osogbo, a Cidade era circundada por dezesseis belas lamparinas, que sustentavam a queima de um tipo de chama mistica, da qual queimava durante o período entre o crepúsculo e o amanhecer. Este “belo circundante” era denominado de Atupa Olojù mérìndílógún e destinava-se a manter a proteção e a glória do lugar durante a noite. Esta tradição também nos revela que o conteúdo daquilo que mantinha a chama acessa, continha uma espécie de magia, que protegia a Cidade de ataques humanos e pertubações sobrenaturais”. Na atualidade o Atupa Olojù mérìndílógún é aceso apenas nas Festividade Anual da cidade.
Os antigos descendentes de escravos, preparavam seus ìtanná, nos mais variados tipos de recipientes: cabaça, barro, louça, porcelana e ferro, e com os mais variados ingredientes. E mesmo quando do uso de velas de cera, as mesmas não eram colocadas diretamente sob o solo e sim num prato fundo com algum tipo de líquido. Após o seu uso as velas e lamparinas são despachadas cada qual em seu caminho ou lugar e não descartada aleatoriamente.
No entanto, a virtude das lamparinas e velas, não reside apenas no fogo que arde, suplicante, mas nas propriedades e substâncias agradáveis aos Òrìsà que se introduzem no recipiente em que esta se fixa. Com exceção das velas de cera destinadas aos mortos que são fixadas diretamente no solo, que simbolizam a “luz da alma” em sua força ascensional, a pureza do espirito que sobe aos céus.
A quem diga que o ato de acender um ìtanná para um Òrìsà está relacionado puramente ao sincretismo religioso, e que o mesmo não carece, pois tem “luz própria” mas acredito que esse hábito entre nós, seja uma forma muito comum de rogar as nossas divindades, consiste em acompanhar o pedido que se faz acendendo para eles uma vela de cera ou uma lamparina.
E uma opinião mui particular, as lamparinas e as velas, são instrumentos de trabalho que se utilizam para alcançar qualquer objetivo, pois acompanhando o imprescindível ebo oferenda, elas são acesas para atrair a sorte, prosperar, tranquilizar, enamorar, unir, casar, amarrar, arranjar emprego, progredir no trabalho, ganhar a confiança dos chefes, influir, sair vitorioso de um processo e em assuntos de justiça, afastar pessoas que perturbem, obrigar quem está longe a regressar se tem saudades dela, vencer um rival, incapacitar um inimigo e um maledicente. Acendendo um ìtanná, também se provoca o mal: desmancha-se um lar, um negócio; desfaz-se um noivado ou um casamento, amarra-se a vida de alguém, provoca a doença e mata-se.
Chamo a atenção para a importância das velas de cera e lamparinas nos Cultos aos Òrìsà no Brasil e o sincretismo que elas evidenciam. Os antigos escravos que aqui desembarcaram, já faziam o uso de lamparinas, que em épocas remotas acendiam o fogo e jogavam várias substâncias que ardiam em suas fogueiras mágicas e que no Novo Mundo, esse “fogo mítico” fosse incorporado a suas práticas religiosas.
A “Era da Eletricidade” desalojaram em parte os ìtanná dos Terreiros de Candomblé, sobretudo nos quartos de santo, que hoje em dia dispensam sua iluminação através da vela de cera, lamparinas e muito menos dos antigos candieiros. Com exceção dos Babalòrìsà e Ìyálòrìsà tradicionalistas, que em suas Casas de Santo, as velas de cera são tão imprescindível a seu sacerdócio como qualquer outros itens utilizados em seus ritos e cerimonias.
De um modo geral, as velas e lamparinas nos lembram a luz do Deus criador e todas as divindades, deidades, entidades e santos, que vem ao mundo para iluminar nossa existência. Um Símbolo de Luz resultante de uma atitude compreensiva, a clareza da mente que se abre para penetrar no inconsciente e o fertilizar.


Baba Guido Olo Ajaguna.

Um comentário:

  1. Estava navegando em busca de algo sobre o fogo sagrado africano (estou lendo um livro que fala sobre: Na senzala uma flor) e me deparei com esse artigo. Adorei 🔥👏🏿

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