Em
nenhum período na História da Humanidade, esteve o homem sem algum
tipo de Filosofia Médica, por mais curioso que isso possa parecer
aos olhos da sociedade moderna. Nossos mais remotos ancestrais
baseavam sua teorias médicas quase que inteiramente na magia,
denominada entre o povo iorubá de idán, e tinham
como certo, por exemplo, que a doença de um enfermo poderia ser
transferida para um objeto inanimado como uma árvore ou mesmo para
um animal. Os que detinham este poder eram denominados na antiguidade
de bruxos ou feiticeiros e dentro da Cultura Iorubá, estes são
chamados de Osó.
Por
muito tempo, a medicina tradicional da África foi subestimada pela
ciência ocidental. Hoje, séculos depois de descaso com as técnicas
de cura africanas, pesquisadores do mundo todo começam a reconhecer
a eficácia dos tratamentos desenvolvidos. Sobretudo com sistemas
integrados de saúde, além de mais acessível e sustentável, a
medicina tradicional tem-se provado preciosa na ajuda do combate a
doenças como câncer, transtornos psiquiátricos, hipertensão
arterial, vitiligo, cólera, doenças venéreas, epilepsia entre
outros.
De
disciplina holística que envolve fitoterapia indígena e
espiritualidade, a solução da medicina tradicional, diferente da
filosofia do ocidente, não busca apenas a cura e a recuperação dos
sintomas físicos, mas sim um equilíbrio entre paciente, ambiente
cultural e mundo energético, procurando a reinserção social e
psicológica do doente dentro de sua comunidade. As práticas e
experiências da medicina são sabedorias passadas de geração em
geração, com formações sociais que implicam em lições de
procedimentos de diagnóstico, recursos medicinais, preparação de
receitas médicas, administração dos medicamentos e, sobretudo,
treinamento teórico, prático e espiritual adequado.
Outro
princípio da Medicina Tradicional dos povos antigos, poderia ser
chamado de Lei da Similaridade. De acordo com essa lei, acreditasse
que seja possível determinar por certas características externa de
uma planta, erva ou flor em particular, o tipo de doenças que se
esperava que ela aliviasse ou curasse. Veremos mais adiante como a
Medina Tradicional Iorubá, enquadra na referida Lei.
No
centro da teoria primitiva está a doutrina de que a morte e a doença
podem ser causadas por magia maléfica, por ordem de um inimigo
contra uma pessoa ou comunidades. Um fato curioso que mesmo hoje
existam comunidades no mundo para cujos os membros o termo “morte
natural” não tenha significado, a morte sendo considerada como uma
intervenção sobrenatural do processo da vida que normalmente
continuaria para sempre.
O
oficio de Onísègun,
aqui denominado de “médico curandeiro”,
preparavam suas receitas de
uso medicinal denominados de oògùn baseados
puramente nos elementos da natureza. Essa função exige deste um
vasto conhecimento do uso das plantas para a preparação de receitas
e remédios tradicionais; seus diversos nomes e as curtas frases,
denominadas de ofò
– encantação os
quais enunciam suas qualidades terapêuticas. Essas encantações,
definem a ação esperada da planta em questão comportam um verbo
geralmente monossilábico que figuram no nome da planta, servindo
assim para auxiliar a memorização, e que este “verbo atuante”
da encantação pronunciada também, é uma das sílabas do nome da
planta utilizada. O Onísègun
se submetia a um longo e difícil aprendizado, já que uma mesma
planta possuía nomes diferentes. Este se dava ao fato de caso a
sílaba necessária para que uma receita ou ação se cumprisse não
figurasse no nome da planta, este era substituído por outro nome
onde a sílaba (verbo atuante) estivesse presente e, por
consequência, outro nome era dado a mesma planta.
Na
Medicina Ocidental o conhecimento do nome científico das plantas
usadas e sua características farmacológicas são indispensável,
contrário da Medicina Tradicional Iorubá, onde o conhecimento dos
ofò
transmitidos oralmente são
o essencial, pois carregam em seu interior a definição da ação
esperada de cada uma das plantas que entram na manipulação da
receita. A Poesia Iorubá, inclui uma rima fonética, semelhante aos
Mantras Hindu e essa
rima fonética leva a força de realização do àse,
induzido pela vibração mental daquele que o profere, afim de
ativar as energias que necessárias para a elaboração dos complexos
remédios e “trabalhos mágicos”. As rimas fonéticas serão
pronunciadas rítmica e pausadamente ou simplesmente cantadas durante
o processo de confecção de uma “medicina” em questão.
O
Odù Ogbe Òtùrùkpòn
nos revela que
Òrúnmìlà saiu em busca de Òsányìn – A
Divindade da Flora e da Fauna, habitante da floresta, Grande Sábio
nos preparos de remédios e das magias, conhecedor dos encantamentos
que davam suas poções curativas forças para vencer as
enfermidades... ao que se sabe, ninguém poderia se aproximar de
Òsányìn com risco de ser queimado com seus carvões
incandescente... Òrúnmìlà tendo o devido conhecimento da
questão, consulta o oráculo e realiza as oferendas determinadas por
Ifá... neste citado Odù, Òrúnmìlà recolhe
várias folhas e com estas prepara um Àgbo – De cocção
vegetal e sai em busca do “Senhor das Folhas”... ao encontrar
Òsányìn como de costume com todos aqueles que atrevessem
entrar em seus domínios, lança suas brasas em direção a Òrúnmìlà,
entretanto a sua frente encontrasse um pote com o líquido extraído
das plantas e todas as brasas lançadas não atingiam Òrúnmìlà
a não ser cair dentro do pote apagando-se por completo... foi
então que Òsányìn indefeso contra Òrúnmìlà celebra
um pacto em ajudá-lo a combater a todas as enfermidades, mas que em
cada um dos preparos com o “sumo das folhas” deveria haver um
carvão incandescente para transmitir a este “trabalho” o àse
de Òsányìn...
Òsányìn
passa a ser o principal
assistente de Òrúnmìlà,
mas de vez em quando, ousava em não obedece-lo, se escondendo na
mata e não realizando os serviços ordenados por Òrúnmìlà.
Essa não subordinação, se dava ao fato de que Òsányìn
é o verdadeiro conhecedor
das virtudes e das propriedades medicinais e mágicas das plantas e
as vezes Òsányìn
se sentia usado por Òrúnmìlà.
O Odù Ìròsùn Òsé,
menciona que Sàngó
tomando conhecimento do fato de Òsányìn estar
escondido de Òrúnmìlà
na mata, este envia vários raios que atingem o deixando deformado e
assim Òsányìn jura
obedecer para sempre as ordens de Ifá.
Após o fato ocorrido, fica estabelecido que Òsányìn
para entregar seu poder
completo, deveria expor ao fogo e ao calor as preparações
medicinais.
Através
dos tempos a Medicina Tradicional tem sido substituída pela Medicina
Moderna e assim substituindo os remédios naturais e a Ciência da
Curar, dos quais legaram nossos antepassados, por remédios
sintetizados em laboratórios. Em todas as partes do mundo a Medicina
Natural existe à séculos, mas não podemos negar o fato de que a
Medicina Tradicional mais completa e exata conhecida é a Medicina
Iorubá. A Medicina Iorubá está ressaltada por seu caráter
científico , por sua ampla diversidade, sua lógica e sobretudo,
pela beleza poética atribuídas aos encantamentos, que como vimos,
dão o poder vital e mágico aos preparos medicinais.
Todas
as enfermidades proveem de um vírus ou bactérias e esta palavra na
Medicina Tradicional Iorubá significa “veneno”, baseado no
sentido da toxina liberada por esses micro-organismos.
O
Odù Òyèkù
Ogbe, cita... Ode
s'àpo yo ro Òsányìn m'oya tu àpo yo oògùn... “O
Caçador abre a sacola e saca o veneno, Òsányìn
abre a bolsa e saca o antídoto”
Esta
metáfora significa que
“cada veneno tem seu antidoto” e “cada enfermidade tem sua
cura”. Esta Tradição Oral está especificamente no princípio da
polaridade das Leis Herméticas e que neste caso pode-se afirmar
categoricamente que através do mesmo “veneno” se elabora o
“antídoto” como no caso das vacinas. Os que praticam a Medicina
Tradicional Iorubá, acreditam que as enfermidades estão contidas em
pequenas bolsas dentro do corpo, entende-se que essas “bolsas”
são as centenas de glândulas espalhadas pelo corpo inteiro e que
devido a vários fatores, tais como o consumo excessivo de álcool,
substâncias tóxicas, exposição a substâncias cancerígenas,
aqueles que excedem os limites de sua capacidade humana; quando isso
e outros fatores ocorrem, essas “bolsinhas” se rompem, liberando
os micro organismos na corrente sanguínea, que desencadeiam a
doença até então inerte.
A
principal base da Medicina Tradicional Iorubá, está estruturada na
crença de não somente curar a doença como o de aniquilar estes
micro organismos quando ainda estão inativos. Para que os remédios
sejam eficaz, devem empregar uma combinação de substâncias amargas
– o koro,
picantes – o ta
e ágria – o kon.
Preparos esses que podem serem aplicados no corpo ou ingeridos de
acordo com a receita prescrita, pois as substâncias que contém
estas combinações matam os germes causadores de diversas
enfermidades. Muito comum, observar nas mais diversas receitas de
remédios tradicionais, a adição de ovos de aves, substâncias
adocicadas e alcoólicas, pois essas substâncias tem o poder de
atrair e agrupar os germes, seria como uma espécie de armadilha,
para que os micro organismos “consumam” os ingredientes do
medicamento e possam ser exterminados. Ao mesmo tempo cada remédio
dentro da Medicina Tradicional, contém substâncias purgativas e
depurativas do sangue, com a finalidade de provocar rápida e
abundante evacuação intestinal e urinária para que os excesso de
toxina viral seja liberada do corpo.
Se
faz notar que quase todas as preparações da Medicina dos Iorubá
incluem noz-de-cola – Obí
e veneno-amargo – Orógbó,
pois a princípio o sabor dessas sementes são adocicadas, em seguida
apresentam um forte sabor amargo. Também utilizam pimenta-da-costa –
ataare dos
quais apresentam um sabor doce-picante que “camuflam” o sabor de
outras substâncias.
A
preparação de um determinado remédio, a princípio por
determinação de Ifá,
que através das figuras – Odù,
revela a enfermidade que se padece, e prediz como curar e ou mesmo
preveni-la, da
mesma forma que os Ocidentais os Iorubás acreditam que “a
prevenção é melhor do que a cura”.
Nesta consulta oracular, será revelado as proibições e os tabu,
denominados de eèwò
numa espécie de “dieta”. Dentro do filosofia de Ifá,
os eèwò
pertencem aos Valores Éticos e Morais da Religião, violar uma
proibição é cometer um sacrilégio, neste contexto devemos
entender que afrontar um eèwò
faria
com que as doenças propensas se manifestem prontamente no individuo.
A maior parte dos religiosos de nossa religião, baseiam-se no fato
de determinar um tabu alimentar, pela forma que este molesta o corpo
do individuo, seja uma indigestão, diarreia ou uma reação
alérgica; sendo este um conceito equivocado, já que quando se
estabelece um eewò
é possível que este quando violado não faça mal algum de
imediato, mas depois de um longo período este se manifeste de várias
formas, inclusive em uma doença que poderia ter sido evitada com a
obediência prescrita e determinada por Ifá.
Dentro
da Medicina Tradicional, para a cura das mais diversas enfermidades
se utilizam todos os elementos da natureza, ou seja, tudo aquilo que
existem no Reino Animal, Vegetal e Mineral, e se fará uso de cada
ingrediente, partindo como base as particularidades de cada Reino, a
vibração ou a energia específica que os caracterizam. Para um
melhor entendimento, se um individuo padece de uma enfermidade
provocada pela ingestão de água infectada, deverá recorrer a
certas plantas que vivem precisamente nesse meio ambiente, o que
poderia retomar o pensamento de que o “veneno se transforma em
antídoto”; da mesma forma que plantas de folhas e flores de
coloração vermelha, são utilizadas para o preparo de remédios com
a finalidade de curar enfermidades no sangue; plantas que florescem
com suas flores amarelas, são utilizadas para o tratamento da
icterícia; plantas cuja as folhas apresentem manchas tem a
propriedade de curar várias doenças de pele; plantas de
características ásperas, de coloração verde escura e com pequenos
pontos pretos, tem a propriedade de curar a anemia. Todos esses
métodos representavam uma percepção de que o meio ambiente tem
“intenção e significado” e que os segredos da boa saúde se
encontravam dentro dos limites do entendimento humano. Cabe salientar
que as plantas dentro da Medicina Tradicional e da Litúrgica dos
Iorubás são classificadas em quatro compartimentos: Folhas da Água,
Folhas do Ar, Folhas da Terra e Folhas do Fogo.
Existem
várias formas de preparações dentro da Medicina Tradicional, cito
as cinco mais utilizadas:
- ÀGÚNMÚ (Àba – porção + Gúnpò – macerar + Mú – beber) Como seu nome indica, este tipo de manipulação, consistem em certo ingredientes que após serem triturados em um almofariz, são secos ao sol, pulverizados e ingeridos com algum tipo de líquido.
- ÈTÙ ( pó medicinal ) significa “medicina queimada”; este é o produto de certos ingredientes incinerados ao fogo lento que deve ser movido constantemente. Utilizado para ingeri-lo com algum tipo de líquido ou mel-de-abelha. Também se utiliza para colocar em pequenos cortes pelo corpo, denominados de gbéré.
- ÀGBO (decoção vegetal) Este elaborado e complexo preparo não consiste somente em plantas e sim nos mais diversos ingredientes, inclusive o sangue de determinados animais. Existem duas classificações deste preparado:ÀGBO TUTU – macera as folhas em um pilão, acrescenta-se os demais ingredientes, onde são deixados a descansar por um período em água, que podem variar dos mais diversos lugares.ÀGBO GBÍGBÓNÁ – o mesmo procedimento anterior, porém são depositados em água fervente numa espécie de infusão. Neste são utilizadas determinadas espécies de plantas, pois sabemos que algumas delas são vetados o ato de calor. Aqui não trata-se de ferver ou cozinhar as plantas o que destruiria boa parte de sua propriedades mágico-medicinais. Ambos os tipos de preparos são prescritos para beber, banhar-se ou mesmo lavar apenas uma parte do corpo.
- ÀSÈJE (Àba – porção + Sè – cozinhar + Je – comer) seu nome indica, cozinhar e comer, significa em outras palavras, alimento medicinal. Este preparo a base de pó com um ou mais ingredientes, são preparados numa espécie de caldo quente, que deverá conter, azeite-de-dendê, cebola, pimenta e sal. Esta sopa se assim podemos denominar, irá acompanhada com pedaços de inhame ou qualquer outro tubérculo, pedaços de carne vermelha ou branca, mas sempre em pratos separados, pois o recipiente do caldo deverá estar na mão esquerda, como em todas as preparações dentro da Medicina Tradicional e utilizará a mão direita para consumir os demais alimentos que acompanha a refeição medicinal.
- OSE DÚDU (sabão medicinal) também conhecido popularmente como sabão-da-costa do qual serve de base para a maioria dos sabões medicinais. Sua coloração escura se da ao fato de ser elaborado com o óleo escuro de certas sementes e ingredientes pulverizados. Se utiliza para banhos, mas em determinadas ocasiões é preparado especialmente para lavar a boca em minúsculos pedaços sem ingerir ou mesmo sem enxaguar a boca. Neste tipo de “medicina” a mucosa da boca irá absorver as propriedades medicinais.
Cada
tipo de medicina deverá ser preparada, através das indicações de
Ifá, pois o remédio que cura um individuo, poderia ser prejudicial
a outro. Também temos que levar em conta, que muitos dos
ingredientes utilizados são antagônicos ou contrários entre si e
não devem ser mesclados uns com os outros, pois se corre o risco de
em vez de remédio confeccionar um veneno. Outras observações que
deve ser feita, é a questão de muitas plantas utilizadas na
Medicina Tradicional são consideradas tóxicas e altamente venenosa,
então nesta se presta maior atenção na quantidade a ser utilizada
na manipulação.
Podemos
concluir que para se praticar a Medicina Tradicional dos Iorubás,
necessita o Conhecimento, o Entendimento e a Sabedoria milenar de um
povo naturalista, que detém o segredo das plantas, elementos
naturais, assim com suas combinações precisas, encantamentos e
rezas que dão a manipulação uma energia mítica para um perfeito e
harmonioso funcionamento do qual consiste em segredos legados aos
Babaláwo
e aos Olúwo Òsanyìn.
Baba
Guido Olo Ajaguna
Obrigado por compartilhar, bastante esclarecedor!
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