ELÉGÙN
– O FENÔMENO DO TRANSE
“Todo
Elégùn é um Adósù
mas
nem
todo
Adósù é um Elégùn.”
A
principio, quero ressaltar nesse tópico que os iniciados e
consagrados no Culto as Divindades
do Panteão Iorubá, são denominados de Adósù
– O portador do Osù,
símbolo máximo da iniciação, estão divididos em duas categorias
distintas: os Olóòrìsà
– Aquele que possui um Orixá, termo correto
para designar os iniciados do sexo masculino e as Ìyawóòrìsà
– Esposa do Orixá, designado
aos iniciados do sexo feminino. Essa dicotomia se perdeu no tempo,
apenas prevalecendo o termo ìyawó para
designar os neófitos masculinos e femininos que ainda não
completaram totalmente seu Ciclo Iniciático.
O
vocábulo ìyawó
tem o significado de noiva, esposa, mulher recém-casada,
o que soa estranho aos ouvidos de um homem ao ser chamado de ìyawó.
Entretanto, dentro do contexto religioso, o termo “esposa”
tem a conotação de um matrimonio espiritual entre a neófita e sua
divindade tutelar, descartando a hipótese da União legitima entre
homens e mulheres.
Nesse
new post os questionamentos (reformulados) aqui
presente são as duvidas mais freqüentes de pessoas iniciadas, não
iniciadas, simpatizantes e mesmo os curiosos, que durante minha
jornada religiosa me indagaram sobre a complexidade do transe.
Se portanto nessas palavras de respostas (revisadas) há coisas que
parecem chocar a razão de muitos leitores, é que não as
compreendemos ou que as interpretamos mal.
Mas
qual o significado do termo Elégùn ?
- O prefixo Elé significa “aquele que”
- A palavra Gùn origina-se da forma contraída do vocábulo Igègùn
- O vocábulo Igègùn significa “ação de excitar ou agitar”
O
celebre pesquisador Pierre Verger
em seu artigo “Cultes de Possession chez les
Yoruba et les Plantes Liturgiques”
no Colloque sur les Cultes de Possession, CNRS, em Paris, no ano de
1968, explicita quanto ao termo Gùn
que este significa “montar”
induzindo outros pesquisadores e seus seguidores a idéia equivocada
de “Aquele que pode ser montado ou cavalgado”,
numa visão imaginária das divindades montada nas costas de seus
adeptos, fazendo-os de cavalo, o que originou a expressão pejorativa
Esin Òrìsà
– Cavalo dos Deuses.
Não vai muito
longe essa verdade, que até mesmo a expressão usada pelos
umbandistas “fulano é cavalo do guia
tal”, ou
seja, o guia tal, monta, desce,
incorpora,
no fulano. Entendo o termo Elégùn
no
sentido interpretativo “Aquele que se
agita” ou
“Aquele que se excita”. Agitações
e Excitações,
decorrente da reação da complexidade e muitas vezes incompreensível
do fenômeno do transe.
Elégùn poderia ser denominado de médium ?
Certamente
que sim. A mediunidade
é um fenômeno espiritual
que ocorre com muito mais frequência do que muitas pessoas possam
imaginar. Potencialmente, todos somos médiuns, uma condição
natural do ser humano, pois se trata de uma faculdade inerente ao
espírito. Neste sentido, ela faz parte da natureza do homem e,
portanto, não há nada de sobrenatural.
De
suma importância ressaltar que a mediunidade não é propriedade dos
espíritas, ou seja, não foi inventada por Allan
Kardec –
O Decodificador do Espiritismo
como muitos
ainda creem. Seria como afirmar perante a ciência que o inconsciente
é propriedade dos psicanalistas, dado ao fato de Sigmund
Freud –
O Pioneiro da Psicanálise,
ter estudado o inconsciente, assim como O
Ego e o Self
não são propriedade exclusiva de Carl
Gustav Jung.
“Mediunidade
não é e nunca será privilégio dos espíritas”
A
manifestação mediúnica remota de tempos imemoriais em todas as
religiões do mundo. Os povos primitivos da antiguidade se
comunicavam com suas divindades e os espíritos de seus antepassados
através da mediunidade. Interessante ressaltar que, alguns anos
atrás, em um momento de leitura, senão para minha surpresa, me
deparo com o subtítulo ELÉGÙN –
O Médium,
estava em minhas mãos o livro ÒRUN
- ÀIYÉ
O Encontro de dois Mundos
da autoria de José Beniste.
Sem pretensão alguma de criticar a obra de Beniste,
do qual
considero-o um dos maiores pesquisadores e autores da atualidade, mas
me surpreendi ao fato da citação O
Médium não
corresponder com o subtítulo, pois nada descreve em sua obra, sobre
a mediunidade. Pode parecer estranho aos olhos dos leitores, mas 90%
do povo de santo não tem noções básicas sobre a Ciência
da Mediunidade.
Muitos não respondem a nada que perguntamos, desconhecendo
totalmente o assunto ou respondem a celebre frase: Meu
filho ! Não sou espirita para saber essas coisa, sou candomblezeira
!
Como
definir o transe de um Elégùn ?
O
fenômeno do transe, parte
integrante e saliente do complexo ritual e de crenças que
caracteriza as religiões afro-brasileiras, não é simplesmente
aquele episódio espetacular que culmina as cerimônias públicas do
candomblé, em que apresentam-se certos indivíduos dos grupos de
culto aos Òrìsà,
mas um fenômeno de dissociação da
personalidade,
afim de outras mais leves dissociações frequentes na experiência
cotidiana de um ser portador desse Dom
Divino.
Apesar de naturalmente compreensível para os estudiosos da religião,
pode parecer estranho àqueles que não se aprofundaram adequadamente
no estudo do fenômeno do transe. Mas
a definição sob a visão da Doutrina
Espirita é
a que mais assemelha-se, a maneira que outros 10% de nossos Ègbón
– mais velhos
nos tentam fazer entender, em outras palavras obviamente, o estado
de manifestação do Òrìsà.
Considero
a descrição a seguir, perfeitamente correta, pelo menos em minha
opinião, para definir o transe em nossa religião e em outras
crenças, onde o estado alterado de
consciência
se faz presente. Nos primeiros estudos desse fenômeno, a psicologia
ainda não usava o termo "transe",
que é uma corruptela de uma situação "transacional",
que passa de um estado para outro, no caso, de um estado mental. Não
posso deixar de mencionar que o transe tem origem Endógena que são
os provocados por distúrbios patológicos neuro anímicos, por
liberação ou inibição de neurotransmissores; e Exógena que são
os transes
provocados mediante estímulos externos.
Essa
necessidade de abarcar o estudo do fenômeno
do transe
dentro de um “enorme território”, consiste na cooperação com
outras ciências e se antecipam aos estudiosos que tratam o assunto
com seriedade, na esfera em que a descrição da individualidade do
fenômeno, possa ser revelada com toda a riqueza de qualidades
concretas e prescindir de compreensão e interpretação que a
completem ao máximo. Dessa forma, evidentemente, a dificuldade de
situar-se estritamente dentro de um só esquema conceitual. A
etnopsicologia foi e sempre será a maior ciência capacitada, de
projetar a “luz” e abrir muitos horizontes para novas pesquisas,
sobre um assunto reconhecidamente complexo como o fenômeno
do transe.
Nina
Rodrigues
– Legista e Psiquiatra, a quem presto aqui o preito de minha
admiração por ter sido o iniciador dos estudos afro-baianos, foi o
primeiro a refutar a suposição do transe, naquela época denominada
entre o meio acadêmico de possessão, ser um fenômeno de simulação.
Não posso deixar de mencionar Arthur
Ramos
– Psiquiatra e Psicanalista e Ulysses
Pernambucano
– Psiquiatra Clínico, Professor de Psicologia, Lógica e
Neuropsiquiatria que depois se alongaria em Psiquiatria Social depois
de reformador corajoso dos métodos de assistência aos doentes
mentais. No estudo das formas de expressão religiosa do negro
brasileiro não passou despercebida a nenhum desses pioneiros a
importância dos fenômenos do transe, como a utilidade de sua
abordagem com o auxilio de suas especialidades, que consagrou uma
avalanche de evidências empíricas, por métodos e teorias
refinadas. A formação cientifica desses nobres homens parece me
ter sido o fator determinante do seu interesse de médicos pela
dimensão cultural de sua especialidade. Nina Rodrigues, relata em
seu livro O
animismo fetichistas dos negros bahianos,
publicado por Civilização Brasileira, em 1935, os ricos detalhes,
de suas pesquisas de campo nos candomblés da Bahia, assim como a
interpretação do fenômeno do transe em termos psicopatológicos e
de auto sugestão, de acordo com a ciências de sua época.
Como
explicar vários Elégùn em transe do mesmo Orixá ?
Não
trata-se simplesmente da colocação de ubiquidade das divindades, ou
seja, nenhum Òrìsà
tem o poder de se dividir; mas cada Divindade é um “centro” que
irradia sua energia para diferentes lados, lugares e pessoas, por
esse motivo se faz presente em muitos lugares e manifestados em
várias pessoas ao mesmo tempo. Assim como o Òrìsà
pode se
fazer presente no Terreiro e não manifestar-se em nenhum Elégùn
por diversos fatores. Num quadro figurativo, podemos utilizar o Astro
Sol como
exemplo, que sendo absolutamente único, irradia seus raios solares
para vários lugares do globo terrestre simultaneamente, assim como o
dia pode não estar ensolarado mas sabemos que o Astro
Rei ali esta
presente. As divindades são portadoras de uma poderosa energia que
desconhecemos e apenas uma “fagulha” dessa matéria dissociada é
emanada ao Elégùn.
Uma “fração desproporcional”
dessa energia poderia levar um individuo a morte se for contrária a
“sua capacidade receptora”.
Por esse motivo devemos ser cautelosos quanto ao uso de plantas
litúrgicas que incitam o fenômeno do
transe
denominadas de Ewé
Igègùn.
Durante
o transe, o Orixá incorpora no Elégùn ?
A
primeira condição de toda doutrina religiosa é a de ser lógica;
ora, temos que compreender que o Èmí
– O Espirito
Encarnado,
esta de tal forma impregnado célula a célula; hemácias e glóbulos
brancos; tecidos e ossos; músculos e nervos; nos fluídos corporais,
que não haveria espaço para outro Ser
Sobrenatural
adentrar-se no corpo físico. Assim, o transe
mediúnico
não é um líquido que se adentra em um vasilhame ocupado. Vários
religiosos e estudiosos, acreditam que o transe,
dá-se a principio, através da fluidificação emanada pela
divindade ao nosso Orí Inú – A
Cabeça Interior exatamente
no local da incisão, denominado de Ggéré,
local onde foi afixado o Osù.
Esse esta localizado
no
alto da cabeça, por ser ali que se encontra a “Sede
da Inteligência".
Essa poderosa energia, que nada mais é que matéria dissociada,
interpenetra-se nesse “campo vibratório” e domina por completo
ou quase que completo o sistema nervoso central do Elégùn.
Por
esta razão que determinados lideres religiosos não admitem a
manifestação do Òrìsà
em um individuo que não se submeteu aos ritos iniciáticos. Para os
pensadores dessa concepção, o primeiro contato da divindade com o
individuo não iniciado, o derrubaria ao solo e causaria a perca
completa da consciência, seguida de um desfalecimento que pode durar
horas, sem mencionar as dificuldades em restabelecer a consciência
do desfalecido. Esse acontecimento é popularmente conhecido por
“bolar no santo”, cuja
a etimologia da palavra, ainda encontra-se na obscuridade.
Antigamente, hoje em dia com menos frequência, era comum acontecer
de um “visitante” bolar no santo
e somente recuperar suas funções fisiológicas, durante o Ciclo da
Iniciação.
Para
aqueles que não sabem, essa matéria dissociada que age sobre esse
“campo” incitando o transe,
na teosofia, no esoterismo e outras doutrinas orientais e ocidentais,
são conhecidos por diversos termos a saber:
- AuraDuplo Etéreo
Corpo AstralCorpo Mental
Plexos
ChakrasCentros de Força
Através
desse campo
vibratório, seja
qual for a designação correta, o transe
constitui, finalmente, a parte dramática e essencial das cerimônias
públicas e privadas quando as divindades são “convidadas” e
manifestar-se, através da fala, revelando mensagens e palavras de
conforto, revivendo através dos cânticos e da percussão, da dança
e de seus gestos, as obras realizadas nesse e no outro mundo,
relembrando uma época remota, em que as Divindades se mesclavam
entre os Seres Humanos.
Durante
o transe o Elégùn pode ver, escutar e lembrar dos fatos ?
Sabemos
que o transe
é um estado alterado da consciência, onde há dissociação
psíquica, que pode ser superficial (consciente) hipnogógico
(semiconsciente) e profundo (inconsciente). Existe uma variação de
Elégùn
para Elégùn.
Que de acordo com sua natureza ou com os ritos litúrgicos, aumenta
ou diminuem, o que conheço por tônus
vibracional,
do qual facilita ou dificulta a ação dos Òrìsà.
Esse tônus a qual me refiro, pode ser influenciado pela má conduta
e atitudes inadequadas do iniciado, tais como, “violações dos
tabus”. Aprendemos com nossos mais velhos, que durante os dias que
antecedem o Ciclo das Festas Anuais deveremos nos “resguardar”
quanto a alimentação, ingestão de bebidas alcoólicas e atividades
sexuais. Essas “proibições” tem como finalidade “purificar”
o corpo do Elégún
que além de facilitar, aumenta o grau
de intensidade do transe.
Obviamente que os Òrìsà
entendem perfeitamente a “violação dos tabu”, pois em nossa
religião está inserida a Lei
do Livre Arbítrio.
Muitos
iniciados que entram em transe
ou são “rodantes”
como são chamados entre o povo de santo, transparecem claramente o
constrangimento de tocar no assunto de ser consciente ou
semiconsciente. É certo que muitos adeptos, embora sejam sinceros e
bem intencionados, alegam o que realmente são ao afirmarem que de
nada se recordam ou tem vagas lembranças do período que
encontravam-se em estado
de
transe.
Temerosos de não inspirarem a devida confiança a sua comunidade
religiosa, nem sempre o fazem, por vaidade ou má intenção, pois é
evidente que as pessoas ficam mais convictas das manifestações
do transe,
quando crê no completo alheamento do Elégùn
naquilo
que se transmite durante o fenômeno
do transe.
Na maioria dos casos de consciência e semiconsciência, ocorre a
denominada “amnésia
pós transe”,
ou seja, nenhuma lembrança se conserva ao despertar do iniciado,
fato esse ocasionado pelo próprio Òrìsà.
O
fenômeno do transe pode ser denominado transe de possessão ?
Por
várias vezes me deparo com essa polêmica pergunta. Muitas pessoas
me questionam, se durante o transe,
há verdadeiramente uma posse
física
do iniciado, quero dizer, o fato do Òrìsà
adentrar
ou não o corpo do Elégùn.
Essa
questão ainda encontra-se amplamente em debate, não somente entre
os membros religiosos, mas também presente nos meios acadêmicos e
autodidáticos, que colocam ainda a possessão como uma questão não
doutrinária.
Ao
responder a pergunta Durante
o transe, o Orixá incorpora no Elégùn ? Entendo
que nessa circunstância, não há nenhuma margem para dúvidas de
que não há mesmo possessão
física,
mas subjugação.
Acrescento que aqui estou me referindo a subjugação
corporal,
ou seja, as divindades atuam sobre a mente e os órgãos materiais
provocando movimentos involuntários no iniciado manifestado.
Não
posso deixar de mencionar que, outrora, o vocábulo possesso,
na sua acepção vulgar, supõe a existência de demônios, isto é,
de uma categoria de seres maus por natureza, e a coabitação de um
desses seres com a alma de um indivíduo, no seu corpo, influenciaria
o possuído até à aberração das faculdades da vítima.
Somente
a nível de conhecimento, uma pequena descrição sobre o
entendimento do transe
de possessão
a luz da Doutrina
Espirita,
publicado por Paulo
da Silva Neto Sobrinho.
O
mecanismo da “incorporação mediúnica” é fácil de
compreender. Ela pode principiar pela aproximação da entidade que
deseja comunicar-se. Esta poderá eventualmente influenciar o
“médium”, facilitando-lhe o “transe”. O médium passa então
a sofrer um desdobramento astral e sua cúpula juntamente com o corpo
astral deslocam-se parcial ou totalmente de maneira a permitir que a
cúpula e o corpo astral do Espírito comunicante ocupe parcial ou
totalmente o campo livre deixado pelo “corpo astral” do médium.
A incorporação é tanto mais perfeita quanto maior o espaço é
cedido pelo astral do médium ao afastar-se do seu corpo físico,
deixando lugar para a cúpula com o corpo astral doo comunicador.
Este – o Espírito comunicante – deverá sofrer um processo
semelhante ao desdobramento astral,, para permitir que sua cúpula e
corpo astral possam justapor-se ao espaço livre deixado pelo médium.
Por
isso insistindo em que o iniciado seja ele Elégùn
ou
não, aprenda e estude sobre os fenômenos
do transe. Ter
o devido conhecimento sobre as diferenças entre possessão e
manifestação de divindades, deidades ou entidades, fazem toda a
diferença.
Porque
um iniciado ou não que entra em transe,
debatendo-se e dizendo coisas desconexas, pode estar num tipo de
situação complicada e isso pode ser um transe patológico, ou
seja, esse individuo pode ser um esquizofrênico, psicótico, estar
sob efeitos de drogas, obsidiado, etc. Para isso o religioso deve
reconhecer o transe
de uma divindade e de um espirito. Acima de tudo, ter o discernimento
de tomar as medidas cabíveis e as devidas providências, orientando
o individuo na busca de auxilio médico ou nos recursos da religião.
BABA GUIDO OLO AJAGUNA
Amo seu blog! Eu sou a Ekedji t' Ajaguna e desde já obrigada por compartilhar suas ideologias e sabedoria aqui!
ResponderExcluirUAU! Que texto! Parabens. Nunca havia tido acesso a tamanha gama de informações sobre transe espiritual como neste blog! Que Obatalá lhe abençoe e continue em sua jornada de esclarecimento e enriquecimento do culto afro.
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