sábado, 27 de junho de 2015

Reseña de "O Candomblé da Barroquinha

Ferretti, Sergio F.
Reseña de
"O Candomblé da Barroquinha:
processo de constituição do primeiro terreiro baiano de ketu"
de SILVEIRA, Renato da
Afro-Ásia, 41, 2010, pp. 267-274
Universidade Federal da Bahia
Bahía, Brasil


CANDOMBLÉ DA BAHIA


SILVEIRA,Renato da
O Candomblé da Barroquinha:
processo de constituição do primeiro terreiro baiano de ketu. Salvador, Maianga, 2006, 648p.


O Candomblé da Bahia é um tema que vem sendo debatido, há tempos, por especialistas ilustres e sobre o qual muitos consideram possuir o conhecimento mais correto. É, de fato, assunto apaixonante e pode-se fazer um paralelo com o futebol no Brasil, sobre o qual todo mundo se considera expert, com direito à opinião mais avalizada. Como estudioso das religiões afro brasileiras, não posso deixar de ter interesse pelo Candomblé na sua terra de origem. Sei que se trata de um campo de conhecimento delicado pela complexidade específica do tema e em função da competência de autoridades famosas, tanto no ambiente acadêmico, quanto junto ao povo do santo. Segundo a antiga aspiração de mãe Aninha, famosa fundadora do Ilê Axé Opô Afonjá, felizmente, hoje, e não só na Bahia, muitas pessoas do povo de santo possuem um anel de doutor. Assim, segredos da história do Candomblé estão sendo desvendados, e o tema vai-se tornando mais bem conhecido, especialmente com o refinamento da pesquisa histórica nas últimas décadas. O livro de Renato da Silveira é uma investigação histórica de peso. O autor informa que demorou mais de trinta anos estudando e escrevendo o trabalho, a demonstrar que realizou a pesquisa com minúcia, dedicação e amor. É fácil constatar, por sua familiaridade e trânsito no campo religioso afro-brasileiro, que ele é mais do que um simples pesquisador participante. O livro contém dezesseis capítulos de dimensões diferentes e 68 páginas de notas com informações específicas de grande interesse, além de muitas ilustrações. Lamentamos que as notas não estejam colocadas ao pé de página, o que facilitaria o trabalho de consulta. No item sobre a iconografia, comenta alterações que julgou conveniente proceder em alguns materiais iconográficos, com o objetivo de valorizar os retratados e retirar vestí- gios de imagens estereotipadas e preconceituosas. Merece elogio a sinceridade do esclarecimento, baseada na experiência do autor como artista plástico e designer gráfico. Diz que algumas imagens receberam restaura- ções limitadas para disfarçar danos do tempo, outras receberam retoques para corrigir limitações e imperfeições. Algumas foram manipuladas ou remanejadas com objetivos diversos, sobretudo em relação à expressividade das figuras e para evitar imagens estereotipadas, deliberadamente depreciativas como se explica na página 34. O livro discorre sobre muitos temas interessantes, relacionados com o trabalho escravo, e começa refletindo sobre o colonialismo e a escravidão desde a antiguidade clássica, durante a Idade Média e, nos tempos modernos, até o século XIX. Trata da expansão do Cristianismo, do culto aos santos e das irmandades negras em Portugal e no Brasil, afirmando que, na Bahia, havia cerca de uma centena de irmandades e confrarias no século XIX. Diz que, em Salvador, Maria Inês Cortes relacionou 31 irmandades de homens de cor no XIX, depois foram encontradas outras cinco. É oportuno compararmos esses dados com os do Maranhão na mesma época, em que Emanuela Ribeiro localizou um total de quarenta irmandades religiosas no interior e 25 em São Luís.1 Informa, ainda, que, na Bahia, comerciantes negros libertos que prosperaram tornaram-se pessoas importantes, ocupando cargos de juízes, escrivães, tesoureiros ou procuradores das irmandades negras. A nosso ver, e sem a intenção de desmerecer a importância e o valor do longo e exaustivo trabalho de pesquisa realizado por Renato da Silveira, consideramos que, se o autor fosse mais conciso e menos abrangente, o texto poderia tornar-se mais agradável de ser lido. Poderia, ainda, ter sido dividido em três partes ou desdobrado em dois ou três livros: um sobre a escravidão do mundo antigo até inícios dos tempos modernos, outro sobre a escravidão no Brasil e um terceiro sobre o candomblé da Barroquinha. Tal proposta, a nosso ver, tornaria a leitura muito mais fácil. A igreja da Barroquinha é mencionada pela primeira vez na página 126, e a irmandade da Barroquinha só aparece a partir da página 253. Apenas no capítulo 8, nas páginas 373-90, é que o autor vai discutir a data de fundação, o local e o nome do Candomblé da Barroquinha. Consideramos que o livro também poderia ter sido iniciado na página 250, quando o autor comenta o desempenho, alternadamente moderado ou agressivo, das autoridades no contexto de fundação do Candomblé da Barroquinha. Se tivesse sido planejado dessa forma, ele teria redigido um texto com cerca de 400 páginas, precedido por outro, com as 250 anteriores, em que mostra todos os fatos interessantes que estão relatados. Mas essas são opini- ões de um observador externo, que implicam em decisões alheias ao autor. De todo modo, ficam indicadas como sugestões para uma possível segunda edição. O Candomblé da Barroquinha teria sido o primeiro terreiro baiano de ketu, como diz o subtítulo? Ou teria sido, de fato, o primeiro candomblé do Brasil? Alguns consideram que, em Cachoeira, haveria candomblés mais antigos. Segundo soubemos,2 o Terreiro do Pinho, em Maragojipe, de nação jeje, dedicado a Jogorobossu, seria o mais antigo do Brasil e teria sido fundado na época das invasões holandesas! Provavelmente deve haver outras discordâncias sobre a antiguidade dos candomblés baianos, que compete à história esclarecer melhor. O livro é muito bem documentado, mas construído em cima de muitas suposições. De qualquer forma, ao término da leitura ficamos sabendo que o Candomblé da Barroquinha foi o antecessor do Ilê Axé Iyá Nassô Oká, o famoso Terreiro da Casa Branca, considerado o mais antigo Candomblé do Brasil. O texto inclui algumas belas reproduções com gravuras de divindades daomeanas do Le Petit Journal, que circulava na França em fins do século XIX, e muitas informações preciosas garimpadas em livros e em bibliotecas estrangeiras, na história oral e/ou com o apoio de linguistas africanos. Todo o livro, no início, no final e no meio dos capítulos, é ilustrado com belas vinhetas alusivas a símbolos dos orixás, que supomos serem do próprio autor, que enriquecem a apresentação gráfica. Uma crítica de detalhe sobre a frase final de cada capítulo, que termina sempre em “V”, talvez com a pretensão de efeito decorativo, que, a nosso ver, acaba por dificultar a leitura. Nossas observações críticas sobre detalhes não pretendem negar a importância e o fôlego da pesquisa de Renato da Silveira, mas, sim, destacar o aspecto ímpar desse trabalho, como contribuição fundamental para o conhecimento do Candomblé da Bahia. Na impossibilidade de comentar todo o texto, vamos resumir alguns aspectos que nos chamaram mais a aten- ção: o capítulo 3, com mais de 150 páginas, é o mais longo e no qual o autor analisa o Calundu do século XVIII como ancestral do Candomblé, e acrescenta informações sobre a política colonial em relação aos escravos, às irmandades e às lutas dos negros pela cidadania. Comenta que o controle da Polícia sobre o Candomblé durou até 1976, e que, só a partir daí, foi considerado uma religião como as demais. Lembramos que, em outras regiões, como no Maranhão, essa fiscalização só foi suspensa em 1988, no Centenário da Abolição. e que os preconceitos continuam atuantes em toda parte. Discute conceitos de sincretismo e antissincretismo, de adaptação e preservação, afirmando que muitos elementos dos preceitos africanos devem ter sido substituídos por similares brasileiros, mas considera que houve adaptações e preservação do fundamental. Ainda nesse capítulo, concorda com a opinião de Luiz Mott de que a Inquisição atuou com maior rigor sobre cristãos novos, sodomitas e bígamos, e menos contra praticantes de rituais pagãos. Diz que Mott encontrou denúncia de apenas uma feiticeira africana, Luiza Pinta, enviada para os cárceres em 1741, em Lisboa, e comenta que os folguedos praticados pelos negros eram mais da alçada dos bispos do que da Inquisição. Tratando da figura do feiticeiro, adivinho na área cultural angolana, apresenta críticas consistentes à antropologia das religiões afro-brasileiras, relativas à ideia da “pequena consistência das concepções míticas”, sobre as práticas fetichistas e o grau de civilização inferior, atribuído aos negros bantus, ou à ideia da adaptação dos inkices aos orixás, que teriam sido apropriados dos jejes e nagôs e seriam criações recentes. Afirma que erros de Edison Carneiro sobre esses temas influenciaram autores como Bastide, ao afirmar que os congos ou angolas copiaram os candomblés, mudando apenas os nomes das divindades. Lembrando que, de modo geral, a imagem do negro foi depreciada na arte ocidental, Renato Silveira comenta longamente algumas figuras reproduzidas no livro, como uma aquarela, Dança de Negros, de Zacharias Wagner, da época do domínio holandês, que Renê Ribeiro considera ser, talvez, o mais antigo documento gráfico de uma dan- ça religiosa. Ao analisar a aquarela do século XVIII, do padre italiano Giovanni Cavazzi, sobre o reino dos jagas no Congo, reproduzida na Figura 22, Silveira questiona o comentário desse autor a respeito da figura principal retratada, uma mulher com os olhos bem abertos para o céu. Nosso autor afirma que “absolutamente não podia estar em transe e menos ainda possuída por um ‘demônio’ ou ancestral qualquer” (p. 226). Diz que deve tratar-se de um rito de homenagem ou de vassalagem e não de uma dança de transe ou possessão, tendo em vista que a mulher estava com os olhos bem abertos. A esse respeito, consideramos importante destacar que, no Tambor de Mina do Maranhão, os voduns, orixás e caboclos ficam sempre com os olhos abertos. Creio que, no candomblé de caboclo e na umbanda, essas e outras entidades também baixam e são recebidas pelos devotos com olhos abertos. Parece-nos que, nesse aspecto, Renato da Silveira extrapolou para as religiões afro-brasileiras conclusões relativas a tradições do Candomblé da Bahia. Os onze capítulos seguintes são menores e tratam de temas específicos, igualmente interessantes, sobre os quais comentaremos rapidamente alguns tópicos. O quarto capítulo menciona a irmandade do Senhor Bom Jesus dos Martírios da Barroquinha dos nagôs, que teriam fundado o Candomblé estudado. Diz que o culto, inicialmente, funcionaria na casa de uma mãe de santo africana, nas imediações da Ladeira do Berquó e da Rua do Currriachito. Em várias páginas, o autor discute detalhes sobre o mapa da cidade (fig. 23, p. 276) e sobre as localizações prováveis para a casa que abrigou o culto inicial. Essas informações, porém, não ficam claras, quando comparadas com detalhes da figura 44 (p. 376-7) do capí- tulo 8, que faz a reconstituição do bairro da Barroquinha. Qual seria a localização provável do terreiro? Quais são as ruas da Lama e do Curriachito? Tais informações talvez sejam compreensíveis para os habitantes de Salvador, mas, para os de fora, ficam confusas. Também não está claramente indicada a autoria do desenho da figura 44, cuja alusão, na p. 600, informa que foi digitalizada e retocada por Silveira. De fato, são detalhes de revisão que escapam em um texto dessas dimensões. Referindo-se à continuidade da política cultural entre africanos e crioulos, o autor afirma que o Alaketo, a Casa Branca e o Gantois são os três mais antigos terreiros baianos de Ketu. Informa que os nagôs de Ketu nunca foram muito numerosos na Bahia, mas teriam sido majoritários na Barroquinha, destacando que essa importância não foi apenas demográfica. Mostra que, em fins do século XVIII, pessoas da linhagem real Aro, do reino de Ketu, chegaram à Bahia como escravos, inclusive duas irmãs gêmeas do Rei Akebiohu, então no poder. Supõe que tenham ido morar na Barroquinha, filiando-se à irmandade dos Martírios, entre nobres do reino de Ketu e malês importantes. O Capítulo 5 apresenta a situação dos jejes e nagôs na Costa da Mina e, em torno da metade do livro, o autor comenta a cumplicidade entre europeus e africanos, dizendo que os daomeanos aprenderam a comerciar com os ocidentais e a lucrar com a sua presença, quando o tráfico de escravos se tornou o melhor negócio da Costa e, talvez, do mundo. Diz que os damomeanos cercaram a capital de Ketu várias vezes, mostrando haver versões antigas que envolvem controvérsias, documentadas pela oralidade, sobre histórias dos reinos africanos da região. Considera que havia conflitos, porém um espírito de paz e tolerância comunitária caracterizou a vida cívica por vários séculos. Mas os reis do Daomé temiam cultos populares e rebeliões contra a monarquia. Afirma que homens importantes foram vendidos aos traficantes e, com isso, muitos sacerdotes do culto dos voduns foram degredados para o Brasil. No capítulo 8, discute a data de fundação, o local e o nome do Candomblé da Barroquinha, afirmando que não há mais como saber quando teria sido fundado, pois as tradições orais não indicam nada preciso. As datas da literatura antropológica resultam de cálculos nem sempre concordantes, embora haja convergência, entre fins do século XVIII e inícios do XIX, na história da Bahia e dos reinos africanos. Diz que também não há certeza quanto ao nome oficial. A data da fundação varia em torno de 42 anos, entre 1788 e 1830. No Capítulo 9, considera que Iyá Adetá, Iyá Akalá e Iyá Nasso, Bamboxê Abitikô e outros teriam sido os fundadores do Candomblé da Barroquinha, embora afirme que há controvérsia entre estudiosos. Iyá Adetá, sacerdotisa de linhagem real, que chegou como escrava por volta de 1789, depois alforriada, implantou o culto em sua casa, nos últimos anos do século XVIII. Levanta, entre outras, a hipótese de que teria sido sequestrada pelos daomeanos, vindo no mesmo navio com as meninas que posteriormente fundariam o Alaketu e, uma vez na Bahia, mantido contato permanente com elas, teria sido a primeira mãe de santo da Barroquinha. Constatamos também que Renato da Silveira discute no livro muitos assuntos paralelos sobre a situação do Candomblé na Bahia. A esse respeito, debate (p. 409) o significado do vocábulo Axipá, termo que considera ter sido divulgado na Bahia, após uma viagem inicial em busca de uma identidade perdida, realizada por Mestre Didi ao reino de Ketu, em 1967, quando ele se identificou como membro da família Axipá, da nobreza local – uma das sete principais famílias fundadoras do reino de Ketu. Lembra que Didi foi identificado como tal pelo rei Alaketo, então no poder, após recitar o irilé (brasão oral) de sua família baiana. Três anos depois, Didi foi aclamado na Universidade de Ibadan e no templo de Xangô em Oyó. O autor considera que o caráter apoteótico dessa história não tira sua autenticidade. Apoiado em historiadores africanistas, afirma que as linhagens fundadoras do reino de Ketu foram nove, mas quatro desapareceram sem deixar rastro, restando cinco: Alapini, Magbô, Aro, Mecha e Mefu. Declara ser provável que o título de axipá (não como chefe dos caçadores), que teve muitas funções, seja uma atribuição recente do reino de Ketu, estabelecida depois da destruição da capital pelos daomeanos em fins do século XIX. Lembra que a transmissão do nome da família na área cultural ioruba é feita pela linha paterna e não pela materna, como no caso de Didi, que a recebeu de mãe Senhora. O Capítulo 10 apresenta informações pouco conhecidas e nem sempre muito claras sobre as sociedades secretas Ogboni, Geledé e os cultos de Babá Egun e da Boa Morte. Afirma, com base em bibliografia africanista, que o moderno teatro iorubano tem raízes no culto Egungun. Diz que a Sociedade Egungun teve origem em Oyó, e a Sociedade Geledé, no reino de Ketu (p. 437). Comenta a existência de sociedades secretas africanas na Bahia e se refere (p. 450) a máscaras geledés, preservadas no Gantois, no Opô Afonjá, no Pilão de Prata e no Instituto Geográfico e Histórico da Bahia. Diz que a Irmandade de Bom Jesus dos Martírios era a fachada legal que abrigava o candomblé da Barroquinha e a associação política dos nagôs-iorubás, enquanto a devoção da Boa Morte abrigava a Sociedade Geledé ou sua direção era integrada pelas mesmas pessoas. Afirma que os estudos etnolinguísticos, iniciados por Vivaldo da Costa Lima e por Yeda Pessoa de Castro, demonstraram que muitos termos do vocabulário fongbé, a língua dos jeje, fazem parte do ritual utilizado nos candomblés ketus. São termos dessa língua esotérica, hungbe, a da divindade, usada pelos cultos da área fronteiriça fon-nagô. Informa que os jejes, quando chegaram, já encontraram a tradição angolana e congolesa mais antiga e dela absorveram fundamentos, iconografias e terminologias. Ao lado da influência jeje, a dos congos e dos angolanos parece ter sido maior do que a literatura antropológica tem admitido. O autor assevera que a tradição africana, em função dos grandes movimentos migratórios, aceita deuses imigrantes, acreditando na acumulação de forças místicas. Os capítulos 13, 14 e 15 transmitem informações valiosas sobre a queda do poderoso império de Oyó e sua luta contra a expansão islâmica. Silveira mostra que algumas mulheres tornaram-se poderosas auxiliares no tráfico como fornecedoras de armas e mercadorias, fazendo da guerra o principal meio de obter escravos para o mercado atlântico. A Iorubalândia foi redesenhada pelos estrategistas da nova capital, dividida nas tradicionais quatro áreas, segundo os pontos cardeais e as necessidades militares. O governador pretendia que Lagos tomasse o lugar de Ketu, como o quarto canto do país iorubá, uma vez que Ketu tinha ficado no lado francês. Os quatro cantos tradicionais foram: Egbá, Ketu, Jebu e Oyó, que assim deveriam permanecer segundo o alafin. Ketu sequer tinha mais exército. Isso explica a preeminência litúrgica adquirida por Ketu na Bahia e a aliança entre os partidários de Oxossi, divindade típica de Ketu, e Xangô na Barroquinha. Tradições orais dos candomblés baianos atribuem preeminência muito grande ao reino de Ketu como sendo sua origem privilegiada. É usual explicar tal fato pela concentração de escravos de Ketu em Salvador e no Recôncavo. Os ketus tiveram desempenho importante, mas outros grupos iorubanos bem mais numerosos também tiveram papel destacado. Afirma que, em 1981, Vivaldo da Costa Lima contestou Pierre Verger, argumentando que os nagôs foram trazidos como escravos de muitas outras nações iorubás, como Abeukutá, Oió, Ijexá, Ijebu Odé e Ibadan. Também contestou os supostos conhecimentos rituais mais profundos dos nagôs de Ketu, denunciando a predisposição valorizadora desse grupo por Verger. Lembra que Nina Rodrigues, conhecedor da comunidade africana em fins do século XIX, também estimou que os nagôs de Ketu não eram muito numerosos e que existiam outros subgrupos iorubás muito maiores. Ketu ficou relativamente preservada até a década de 1850, quando o tráfico para a Bahia foi encerrado. Escravos de todos os grupos iorubanos tinham ido para lá, com predominância dos oyós, ijexás, e egbás, diretamente envolvidos no conflito. Ketu tinha grande prestígio ritual entre os iorubas. Na época do desmantelamento do Impé- rio de Oyó, o reino de Ketu estava relativamente bem preservado e conservava as grandes tradições ancestrais. O alafin Atiba fez um pacto para a revalorização dos cultos tradicionais. O reordenamento do Candomblé da Barroquinha, a partir do final da década de 1830, pode ser considerado uma decorrência do reorganização política da Iorubalândia, após a queda de Oyó- Ilé; a presença na Bahia de altas autoridades vindas de Ketu, Ibadan e Nova Oyó pode ser considerada um aspecto da estratégia de reestruturação da sociedade tradicional iorubá. Por fim, no Capítulo 16, falando sobre os últimos tempos, o autor faz breve recapitulação e uma reconstituição hipotética da história do candomblé da Barroquinha. Esse livro representa um grande avan- ço no estudo da história da escravidão e das comunidades religiosas de origem africana no Brasil, que, atualmente, está conseguindo ser realizado na Bahia. Em outras regiões, como no Maranhão, nos dias de hoje, infelizmente, tais estudos estão ainda pouco desenvolvidos. Apesar de objeções que possam ser apresentadas, tratase de um trabalho de fôlego sobre a escravidão e o Candomblé ketu da Bahia, com informações preciosas sobre origens africanas dessa religião. No espaço aqui disponível, foi possí- vel apenas apresentar uma rápida síntese do conhecimento e das muitas notícias interessantes transmitidas por Renato da Silveira.


1 Emanuela S. Ribeiro, “O poder dos leigos: Irmandades religiosas em São Luís no séc. XIX”, UFMA, Curso de História. Monografia de conclusão de curso, São Luís, 2000

2 DVD CASA de Santo. Produção, Direção e Fotografia de Antônio Pastori. Maragogipe: Prefeitura Municipal de Maragogipe, [s.d.]


Sergio F. Ferretti
Professor Emérito da UFMA
São Luiz do Maranhão,
dezembro de 2010


0 comentários:

Postar um comentário