Ferretti,
Sergio F.
Reseña
de
"O
Candomblé da Barroquinha:
processo
de constituição do primeiro terreiro baiano de ketu"
de
SILVEIRA, Renato da
Afro-Ásia,
41, 2010, pp. 267-274
Universidade
Federal da Bahia
Bahía,
Brasil
CANDOMBLÉ
DA BAHIA
SILVEIRA,Renato da
O Candomblé da Barroquinha:
processo de constituição do
primeiro terreiro baiano de ketu. Salvador, Maianga, 2006, 648p.
O
Candomblé da Bahia é um tema que vem sendo debatido, há tempos,
por especialistas ilustres e sobre o qual muitos consideram possuir o
conhecimento mais correto. É, de fato, assunto apaixonante e pode-se
fazer um paralelo com o futebol no Brasil, sobre o qual todo mundo se
considera expert, com direito à opinião mais avalizada. Como
estudioso das religiões afro brasileiras, não posso deixar de ter
interesse pelo Candomblé na sua terra de origem. Sei que se trata de
um campo de conhecimento delicado pela complexidade específica do
tema e em função da competência de autoridades famosas, tanto no
ambiente acadêmico, quanto junto ao povo do santo. Segundo a antiga
aspiração de mãe Aninha, famosa fundadora do Ilê Axé Opô
Afonjá, felizmente, hoje, e não só na Bahia, muitas pessoas do
povo de santo possuem um anel de doutor. Assim, segredos da história
do Candomblé estão sendo desvendados, e o tema vai-se tornando mais
bem conhecido, especialmente com o refinamento da pesquisa histórica
nas últimas décadas. O livro de Renato da Silveira é uma
investigação histórica de peso. O autor informa que demorou mais
de trinta anos estudando e escrevendo o trabalho, a demonstrar que
realizou a pesquisa com minúcia, dedicação e amor. É fácil
constatar, por sua familiaridade e trânsito no campo religioso
afro-brasileiro, que ele é mais do que um simples pesquisador
participante. O livro contém dezesseis capítulos de dimensões
diferentes e 68 páginas de notas com informações específicas de
grande interesse, além de muitas ilustrações. Lamentamos que as
notas não estejam colocadas ao pé de página, o que facilitaria o
trabalho de consulta. No item sobre a iconografia, comenta alterações
que julgou conveniente proceder em alguns materiais iconográficos,
com o objetivo de valorizar os retratados e retirar vestí- gios de
imagens estereotipadas e preconceituosas. Merece elogio a sinceridade
do esclarecimento, baseada na experiência do autor como artista
plástico e designer gráfico. Diz que algumas imagens receberam
restaura- ções limitadas para disfarçar danos do tempo, outras
receberam retoques para corrigir limitações e imperfeições.
Algumas foram manipuladas ou remanejadas com objetivos diversos,
sobretudo em relação à expressividade das figuras e para evitar
imagens estereotipadas, deliberadamente depreciativas como se explica
na página 34. O livro discorre sobre muitos temas interessantes,
relacionados com o trabalho escravo, e começa refletindo sobre o
colonialismo e a escravidão desde a antiguidade clássica, durante a
Idade Média e, nos tempos modernos, até o século XIX. Trata da
expansão do Cristianismo, do culto aos santos e das irmandades
negras em Portugal e no Brasil, afirmando que, na Bahia, havia cerca
de uma centena de irmandades e confrarias no século XIX. Diz que, em
Salvador, Maria Inês Cortes relacionou 31 irmandades de homens de
cor no XIX, depois foram encontradas outras cinco. É oportuno
compararmos esses dados com os do Maranhão na mesma época, em que
Emanuela Ribeiro localizou um total de quarenta irmandades religiosas
no interior e 25 em São Luís.1 Informa, ainda, que, na Bahia,
comerciantes negros libertos que prosperaram tornaram-se pessoas
importantes, ocupando cargos de juízes, escrivães, tesoureiros ou
procuradores das irmandades negras. A nosso ver, e sem a intenção
de desmerecer a importância e o valor do longo e exaustivo trabalho
de pesquisa realizado por Renato da Silveira, consideramos que, se o
autor fosse mais conciso e menos abrangente, o texto poderia
tornar-se mais agradável de ser lido. Poderia, ainda, ter sido
dividido em três partes ou desdobrado em dois ou três livros: um
sobre a escravidão do mundo antigo até inícios dos tempos
modernos, outro sobre a escravidão no Brasil e um terceiro sobre o
candomblé da Barroquinha. Tal proposta, a nosso ver, tornaria a
leitura muito mais fácil. A igreja da Barroquinha é mencionada pela
primeira vez na página 126, e a irmandade da Barroquinha só aparece
a partir da página 253. Apenas no capítulo 8, nas páginas 373-90,
é que o autor vai discutir a data de fundação, o local e o nome do
Candomblé da Barroquinha. Consideramos que o livro também poderia
ter sido iniciado na página 250, quando o autor comenta o
desempenho, alternadamente moderado ou agressivo, das autoridades no
contexto de fundação do Candomblé da Barroquinha. Se tivesse sido
planejado dessa forma, ele teria redigido um texto com cerca de 400
páginas, precedido por outro, com as 250 anteriores, em que mostra
todos os fatos interessantes que estão relatados. Mas essas são
opini- ões de um observador externo, que implicam em decisões
alheias ao autor. De todo modo, ficam indicadas como sugestões para
uma possível segunda edição. O Candomblé da Barroquinha teria
sido o primeiro terreiro baiano de ketu, como diz o subtítulo? Ou
teria sido, de fato, o primeiro candomblé do Brasil? Alguns
consideram que, em Cachoeira, haveria candomblés mais antigos.
Segundo soubemos,2 o Terreiro do Pinho, em Maragojipe, de nação
jeje, dedicado a Jogorobossu, seria o mais antigo do Brasil e teria
sido fundado na época das invasões holandesas! Provavelmente deve
haver outras discordâncias sobre a antiguidade dos candomblés
baianos, que compete à história esclarecer melhor. O livro é muito
bem documentado, mas construído em cima de muitas suposições. De
qualquer forma, ao término da leitura ficamos sabendo que o
Candomblé da Barroquinha foi o antecessor do Ilê Axé Iyá Nassô
Oká, o famoso Terreiro da Casa Branca, considerado o mais antigo
Candomblé do Brasil. O texto inclui algumas belas reproduções com
gravuras de divindades daomeanas do Le Petit Journal, que circulava
na França em fins do século XIX, e muitas informações preciosas
garimpadas em livros e em bibliotecas estrangeiras, na história oral
e/ou com o apoio de linguistas africanos. Todo o livro, no início,
no final e no meio dos capítulos, é ilustrado com belas vinhetas
alusivas a símbolos dos orixás, que supomos serem do próprio
autor, que enriquecem a apresentação gráfica. Uma crítica de
detalhe sobre a frase final de cada capítulo, que termina sempre em
“V”, talvez com a pretensão de efeito decorativo, que, a nosso
ver, acaba por dificultar a leitura. Nossas observações críticas
sobre detalhes não pretendem negar a importância e o fôlego da
pesquisa de Renato da Silveira, mas, sim, destacar o aspecto ímpar
desse trabalho, como contribuição fundamental para o conhecimento
do Candomblé da Bahia. Na impossibilidade de comentar todo o texto,
vamos resumir alguns aspectos que nos chamaram mais a aten- ção: o
capítulo 3, com mais de 150 páginas, é o mais longo e no qual o
autor analisa o Calundu do século XVIII como ancestral do Candomblé,
e acrescenta informações sobre a política colonial em relação
aos escravos, às irmandades e às lutas dos negros pela cidadania.
Comenta que o controle da Polícia sobre o Candomblé durou até
1976, e que, só a partir daí, foi considerado uma religião como as
demais. Lembramos que, em outras regiões, como no Maranhão, essa
fiscalização só foi suspensa em 1988, no Centenário da Abolição.
e que os preconceitos continuam atuantes em toda parte. Discute
conceitos de sincretismo e antissincretismo, de adaptação e
preservação, afirmando que muitos elementos dos preceitos africanos
devem ter sido substituídos por similares brasileiros, mas considera
que houve adaptações e preservação do fundamental. Ainda nesse
capítulo, concorda com a opinião de Luiz Mott de que a Inquisição
atuou com maior rigor sobre cristãos novos, sodomitas e bígamos, e
menos contra praticantes de rituais pagãos. Diz que Mott encontrou
denúncia de apenas uma feiticeira africana, Luiza Pinta, enviada
para os cárceres em 1741, em Lisboa, e comenta que os folguedos
praticados pelos negros eram mais da alçada dos bispos do que da
Inquisição. Tratando da figura do feiticeiro, adivinho na área
cultural angolana, apresenta críticas consistentes à antropologia
das religiões afro-brasileiras, relativas à ideia da “pequena
consistência das concepções míticas”, sobre as práticas
fetichistas e o grau de civilização inferior, atribuído aos negros
bantus, ou à ideia da adaptação dos inkices aos orixás, que
teriam sido apropriados dos jejes e nagôs e seriam criações
recentes. Afirma que erros de Edison Carneiro sobre esses temas
influenciaram autores como Bastide, ao afirmar que os congos ou
angolas copiaram os candomblés, mudando apenas os nomes das
divindades. Lembrando que, de modo geral, a imagem do negro foi
depreciada na arte ocidental, Renato Silveira comenta longamente
algumas figuras reproduzidas no livro, como uma aquarela, Dança de
Negros, de Zacharias Wagner, da época do domínio holandês, que
Renê Ribeiro considera ser, talvez, o mais antigo documento gráfico
de uma dan- ça religiosa. Ao analisar a aquarela do século XVIII,
do padre italiano Giovanni Cavazzi, sobre o reino dos jagas no Congo,
reproduzida na Figura 22, Silveira questiona o comentário desse
autor a respeito da figura principal retratada, uma mulher com os
olhos bem abertos para o céu. Nosso autor afirma que “absolutamente
não podia estar em transe e menos ainda possuída por um ‘demônio’
ou ancestral qualquer” (p. 226). Diz que deve tratar-se de um rito
de homenagem ou de vassalagem e não de uma dança de transe ou
possessão, tendo em vista que a mulher estava com os olhos bem
abertos. A esse respeito, consideramos importante destacar que, no
Tambor de Mina do Maranhão, os voduns, orixás e caboclos ficam
sempre com os olhos abertos. Creio que, no candomblé de caboclo e na
umbanda, essas e outras entidades também baixam e são recebidas
pelos devotos com olhos abertos. Parece-nos que, nesse aspecto,
Renato da Silveira extrapolou para as religiões afro-brasileiras
conclusões relativas a tradições do Candomblé da Bahia. Os onze
capítulos seguintes são menores e tratam de temas específicos,
igualmente interessantes, sobre os quais comentaremos rapidamente
alguns tópicos. O quarto capítulo menciona a irmandade do Senhor
Bom Jesus dos Martírios da Barroquinha dos nagôs, que teriam
fundado o Candomblé estudado. Diz que o culto, inicialmente,
funcionaria na casa de uma mãe de santo africana, nas imediações
da Ladeira do Berquó e da Rua do Currriachito. Em várias páginas,
o autor discute detalhes sobre o mapa da cidade (fig. 23, p. 276) e
sobre as localizações prováveis para a casa que abrigou o culto
inicial. Essas informações, porém, não ficam claras, quando
comparadas com detalhes da figura 44 (p. 376-7) do capí- tulo 8, que
faz a reconstituição do bairro da Barroquinha. Qual seria a
localização provável do terreiro? Quais são as ruas da Lama e do
Curriachito? Tais informações talvez sejam compreensíveis para os
habitantes de Salvador, mas, para os de fora, ficam confusas. Também
não está claramente indicada a autoria do desenho da figura 44,
cuja alusão, na p. 600, informa que foi digitalizada e retocada por
Silveira. De fato, são detalhes de revisão que escapam em um texto
dessas dimensões. Referindo-se à continuidade da política cultural
entre africanos e crioulos, o autor afirma que o Alaketo, a Casa
Branca e o Gantois são os três mais antigos terreiros baianos de
Ketu. Informa que os nagôs de Ketu nunca foram muito numerosos na
Bahia, mas teriam sido majoritários na Barroquinha, destacando que
essa importância não foi apenas demográfica. Mostra que, em fins
do século XVIII, pessoas da linhagem real Aro, do reino de Ketu,
chegaram à Bahia como escravos, inclusive duas irmãs gêmeas do Rei
Akebiohu, então no poder. Supõe que tenham ido morar na
Barroquinha, filiando-se à irmandade dos Martírios, entre nobres do
reino de Ketu e malês importantes. O Capítulo 5 apresenta a
situação dos jejes e nagôs na Costa da Mina e, em torno da metade
do livro, o autor comenta a cumplicidade entre europeus e africanos,
dizendo que os daomeanos aprenderam a comerciar com os ocidentais e a
lucrar com a sua presença, quando o tráfico de escravos se tornou o
melhor negócio da Costa e, talvez, do mundo. Diz que os damomeanos
cercaram a capital de Ketu várias vezes, mostrando haver versões
antigas que envolvem controvérsias, documentadas pela oralidade,
sobre histórias dos reinos africanos da região. Considera que havia
conflitos, porém um espírito de paz e tolerância comunitária
caracterizou a vida cívica por vários séculos. Mas os reis do
Daomé temiam cultos populares e rebeliões contra a monarquia.
Afirma que homens importantes foram vendidos aos traficantes e, com
isso, muitos sacerdotes do culto dos voduns foram degredados para o
Brasil. No capítulo 8, discute a data de fundação, o local e o
nome do Candomblé da Barroquinha, afirmando que não há mais como
saber quando teria sido fundado, pois as tradições orais não
indicam nada preciso. As datas da literatura antropológica resultam
de cálculos nem sempre concordantes, embora haja convergência,
entre fins do século XVIII e inícios do XIX, na história da Bahia
e dos reinos africanos. Diz que também não há certeza quanto ao
nome oficial. A data da fundação varia em torno de 42 anos, entre
1788 e 1830. No Capítulo 9, considera que Iyá Adetá, Iyá Akalá e
Iyá Nasso, Bamboxê Abitikô e outros teriam sido os fundadores do
Candomblé da Barroquinha, embora afirme que há controvérsia entre
estudiosos. Iyá Adetá, sacerdotisa de linhagem real, que chegou
como escrava por volta de 1789, depois alforriada, implantou o culto
em sua casa, nos últimos anos do século XVIII. Levanta, entre
outras, a hipótese de que teria sido sequestrada pelos daomeanos,
vindo no mesmo navio com as meninas que posteriormente fundariam o
Alaketu e, uma vez na Bahia, mantido contato permanente com elas,
teria sido a primeira mãe de santo da Barroquinha. Constatamos
também que Renato da Silveira discute no livro muitos assuntos
paralelos sobre a situação do Candomblé na Bahia. A esse respeito,
debate (p. 409) o significado do vocábulo Axipá, termo que
considera ter sido divulgado na Bahia, após uma viagem inicial em
busca de uma identidade perdida, realizada por Mestre Didi ao reino
de Ketu, em 1967, quando ele se identificou como membro da família
Axipá, da nobreza local – uma das sete principais famílias
fundadoras do reino de Ketu. Lembra que Didi foi identificado como
tal pelo rei Alaketo, então no poder, após recitar o irilé (brasão
oral) de sua família baiana. Três anos depois, Didi foi aclamado na
Universidade de Ibadan e no templo de Xangô em Oyó. O autor
considera que o caráter apoteótico dessa história não tira sua
autenticidade. Apoiado em historiadores africanistas, afirma que as
linhagens fundadoras do reino de Ketu foram nove, mas quatro
desapareceram sem deixar rastro, restando cinco: Alapini, Magbô,
Aro, Mecha e Mefu. Declara ser provável que o título de axipá (não
como chefe dos caçadores), que teve muitas funções, seja uma
atribuição recente do reino de Ketu, estabelecida depois da
destruição da capital pelos daomeanos em fins do século XIX.
Lembra que a transmissão do nome da família na área cultural
ioruba é feita pela linha paterna e não pela materna, como no caso
de Didi, que a recebeu de mãe Senhora. O Capítulo 10 apresenta
informações pouco conhecidas e nem sempre muito claras sobre as
sociedades secretas Ogboni, Geledé e os cultos de Babá Egun e da
Boa Morte. Afirma, com base em bibliografia africanista, que o
moderno teatro iorubano tem raízes no culto Egungun. Diz que a
Sociedade Egungun teve origem em Oyó, e a Sociedade Geledé, no
reino de Ketu (p. 437). Comenta a existência de sociedades secretas
africanas na Bahia e se refere (p. 450) a máscaras geledés,
preservadas no Gantois, no Opô Afonjá, no Pilão de Prata e no
Instituto Geográfico e Histórico da Bahia. Diz que a Irmandade de
Bom Jesus dos Martírios era a fachada legal que abrigava o candomblé
da Barroquinha e a associação política dos nagôs-iorubás,
enquanto a devoção da Boa Morte abrigava a Sociedade Geledé ou sua
direção era integrada pelas mesmas pessoas. Afirma que os estudos
etnolinguísticos, iniciados por Vivaldo da Costa Lima e por Yeda
Pessoa de Castro, demonstraram que muitos termos do vocabulário
fongbé, a língua dos jeje, fazem parte do ritual utilizado nos
candomblés ketus. São termos dessa língua esotérica, hungbe, a da
divindade, usada pelos cultos da área fronteiriça fon-nagô.
Informa que os jejes, quando chegaram, já encontraram a tradição
angolana e congolesa mais antiga e dela absorveram fundamentos,
iconografias e terminologias. Ao lado da influência jeje, a dos
congos e dos angolanos parece ter sido maior do que a literatura
antropológica tem admitido. O autor assevera que a tradição
africana, em função dos grandes movimentos migratórios, aceita
deuses imigrantes, acreditando na acumulação de forças místicas.
Os capítulos 13, 14 e 15 transmitem informações valiosas sobre a
queda do poderoso império de Oyó e sua luta contra a expansão
islâmica. Silveira mostra que algumas mulheres tornaram-se poderosas
auxiliares no tráfico como fornecedoras de armas e mercadorias,
fazendo da guerra o principal meio de obter escravos para o mercado
atlântico. A Iorubalândia foi redesenhada pelos estrategistas da
nova capital, dividida nas tradicionais quatro áreas, segundo os
pontos cardeais e as necessidades militares. O governador pretendia
que Lagos tomasse o lugar de Ketu, como o quarto canto do país
iorubá, uma vez que Ketu tinha ficado no lado francês. Os quatro
cantos tradicionais foram: Egbá, Ketu, Jebu e Oyó, que assim
deveriam permanecer segundo o alafin. Ketu sequer tinha mais
exército. Isso explica a preeminência litúrgica adquirida por Ketu
na Bahia e a aliança entre os partidários de Oxossi, divindade
típica de Ketu, e Xangô na Barroquinha. Tradições orais dos
candomblés baianos atribuem preeminência muito grande ao reino de
Ketu como sendo sua origem privilegiada. É usual explicar tal fato
pela concentração de escravos de Ketu em Salvador e no Recôncavo.
Os ketus tiveram desempenho importante, mas outros grupos iorubanos
bem mais numerosos também tiveram papel destacado. Afirma que, em
1981, Vivaldo da Costa Lima contestou Pierre Verger, argumentando que
os nagôs foram trazidos como escravos de muitas outras nações
iorubás, como Abeukutá, Oió, Ijexá, Ijebu Odé e Ibadan. Também
contestou os supostos conhecimentos rituais mais profundos dos nagôs
de Ketu, denunciando a predisposição valorizadora desse grupo por
Verger. Lembra que Nina Rodrigues, conhecedor da comunidade africana
em fins do século XIX, também estimou que os nagôs de Ketu não
eram muito numerosos e que existiam outros subgrupos iorubás muito
maiores. Ketu ficou relativamente preservada até a década de 1850,
quando o tráfico para a Bahia foi encerrado. Escravos de todos os
grupos iorubanos tinham ido para lá, com predominância dos oyós,
ijexás, e egbás, diretamente envolvidos no conflito. Ketu tinha
grande prestígio ritual entre os iorubas. Na época do
desmantelamento do Impé- rio de Oyó, o reino de Ketu estava
relativamente bem preservado e conservava as grandes tradições
ancestrais. O alafin Atiba fez um pacto para a revalorização dos
cultos tradicionais. O reordenamento do Candomblé da Barroquinha, a
partir do final da década de 1830, pode ser considerado uma
decorrência do reorganização política da Iorubalândia, após a
queda de Oyó- Ilé; a presença na Bahia de altas autoridades vindas
de Ketu, Ibadan e Nova Oyó pode ser considerada um aspecto da
estratégia de reestruturação da sociedade tradicional iorubá. Por
fim, no Capítulo 16, falando sobre os últimos tempos, o autor faz
breve recapitulação e uma reconstituição hipotética da história
do candomblé da Barroquinha. Esse livro representa um grande avan-
ço no estudo da história da escravidão e das comunidades
religiosas de origem africana no Brasil, que, atualmente, está
conseguindo ser realizado na Bahia. Em outras regiões, como no
Maranhão, nos dias de hoje, infelizmente, tais estudos estão ainda
pouco desenvolvidos. Apesar de objeções que possam ser
apresentadas, tratase de um trabalho de fôlego sobre a escravidão e
o Candomblé ketu da Bahia, com informações preciosas sobre origens
africanas dessa religião. No espaço aqui disponível, foi possí-
vel apenas apresentar uma rápida síntese do conhecimento e das
muitas notícias interessantes transmitidas por Renato da Silveira.
1
Emanuela S. Ribeiro, “O poder dos leigos: Irmandades religiosas em
São Luís no séc. XIX”, UFMA, Curso de História. Monografia de
conclusão de curso, São Luís, 2000
2
DVD CASA de Santo. Produção, Direção e Fotografia de Antônio
Pastori. Maragogipe: Prefeitura Municipal de Maragogipe, [s.d.]
Sergio F. Ferretti
Professor Emérito da UFMA
São Luiz do Maranhão,
dezembro de 2010
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