(texto ampliado e revisado)
Àrírá ọ̀rún ò sán
Ṣàngó odó ò sán pẹ̀ẹ́
“O Trovão rebimbou no Céu e de repente
Ṣàngó
rachou o almofariz”
Na linha de sacralização de objetos de uso litúrgicos
dentro do culto as divindades do panteão iorubano estão o almofariz e o pilão. Palavras
averbadas nos Dicionários Yoruba – Português de odó – o almofariz e ọmọrí-odó – o pilão. Embora a maior parte do
povo de santo apenas denomina esse conjunto de “pilão” ou “ódó”.
Para um melhor entendimento sobre o assunto, julgo
necessário, a saber, que ambas as palavras, estão averbadas nos dicionários de
Língua Portuguesa da seguinte forma:
Almofariz. s.m. Recipiente de pedra, metal, madeira, etc., em que se trituram e homogeneízam
substâncias sólidas; gral, morteiro.
Pilão. s.m. 1. Mão de almofariz, 3. Designação comum a
diversos instrumentos que servem para bater, triturar, calcar, 6. Bras. Gral de
pau rijo, usado para descascar e triturar arroz, café, milho, etc.
Neste artigo, daremos ênfase ao confeccionado em madeira,
que por si só já possuí uma conotação sagrada, pois para este “nascer” uma
árvore teve que “morrer”. Nossa religião apresenta-se ao mundo como um “culto
ecológico” por excelência. Cada árvore pode ser o habitat de uma ou mais
divindades, entidades, deidades ou até mesmo um “simples espírito menor”. Até
em um insignificante galho de árvore pode ser a morada de um pequeno espírito
que, do alto contempla o mundo moderno. Se cortarmos uma árvore ou mesmo um
galho o que ali reside ficará sem sua casa.
O odó e
o ọmọrí-odó para possuírem seus respectivos valores
litúrgicos, devem ser sacralizados e consagrados com o Àṣẹ ti Ṣàngó,
pois foi a Divindade que o criou, e dessa forma, recebendo o título de Ọba Ogodó Salugba, oriundo da frase O gún
odó e “Ele que pila no almofariz”.
Ambos são venerados, não como um objeto de madeira
entalhado, mas porque transmitem uma essência, além dos elementos comuns de sua
materialidade. A madeira por si só “revelam o sagrado”, que se “manifesta”
neles. O sagrado é alguma coisa que se manifesta, que se mostra como sendo uma
realidade que pertence ao nosso mundo, mas que pode estar ligada a objetos que
fazem parte do mundo profano, como no caso do próprio almofariz acompanhado de
seu pilão, das gamelas, das estatuetas africanas como objetos decorativos, dos
cepos cilíndricos, entre outros.
Este objeto sagrado feito apenas com determinados
tipos de madeira, sendo em território africano, confeccionado apenas da árvore ãyán. Árvore da qual são
talhados todos os objetos sagrados de Ṣàngó.
Distemonanthus benthamianus
Baill., Leguminosae, Caesalpinioideae
nome popular ou comercial “movingui
Ambos os objetos, simbolizam as duas forças
fundamentais: o almofariz representa o “pólo feminino”, enquanto o pilão
representa o “pólo masculino”. O que se obtém destes dois é o terceiro elemento
“O elemento criado, o elemento procriado”.
Importante acrescentar que o Ẹkùn – o leopardo é um animal real por
excelência, representa o Ọba –
O Rei, em contrapartida com o Erin
Bònbò – O Poderoso Elefante,
que precede o Leopardo, nas representações dos primeiros Aláàfin Ọ́yọ́.
O elefante é a representação do rei depois da morte, a representação da
metamorfose do rei para o animal. O almofariz e o pilão representam a
encarnação do Elefante.
Odó ọmọrí-odó são utilizados em dois principais espaços dos
Terreiros, no Ilé Ìdáná – A Cozinha Ritualística, onde foi
substituído pelo ọlọ
ọmọrí-ọlọ – pedra de moinho, onde na antiguidade eram
triturados os grãos, sementes, tubérculos, camarões secos, entre outros.
Mas não pense que foi somente a Pedra de Moinho, que
se faz ausente na Cozinha do Santo, o almofariz e o pilão, estão sendo substituídos
pelos mais diversos utensílios do mundo culinário moderno.
Entretanto, sua maior utilidade encontra-se nas
cerimônias realizadas no interior do Ilé
Àṣẹ e Iyará Òṣá –
lugares onde se realizam os ritos privados.
Arúgbó odó la fi n gún àṣẹ
fun Òṣá
“Somente um velho e usado almofariz
é usado para se pilar o àṣẹ de uma Divindade”
Artefato indispensável para extrair o sumo das folhas
sagradas, onde são piladas para a elaboração dos complexos banhos ritualísticos
a serem utilizado nos ritos de iniciação e de maior destaque quando da
elaborada confecção do Òṣù –
um tipo de amalgamado repleto de substâncias secretas, algumas in-natura,
outras secas, algumas torradas, mas tudo isto reduzidos a pó por intermédio do
almofariz e do pilão.
Ele serve de veículo para transmitir o Àṣẹ
ti Òrìṣà a ser consagrado no futuro iniciado. O almofariz serve de sustento, de apoio,
de alicerce, para o noviço, o futuro iniciado nos “mistérios do culto” senta-se
sobre ele durante os ritos de iniciação. O futuro iniciado entra em contato
direto com o sagrado manifestado no Odó.
Não somente pelo fato da Religião dos Iorubas no Novo
Mundo terem sido reestruturadas no Culto dos Descendentes de Oyó, encontramos em
antigas linhagens as seguintes menções:
“Não se pode
iniciar alguém sem a aprovação de Ṣàngó; Em todas as cerimônias religiosas da
iniciação o Àṣẹ de Ṣàngó tem que estar presente”
Menções essas que só reforça a obrigatoriedade do uso
do Odó ọmọrí-odó e do edùn
àrá
– pedras neolíticas, nos ritos de iniciação, o que reforça mais ainda, a
concepção de muitos em dizer: ”Ṣàngó é o Rei de Nossa Religião”.
Baba Guido Olo Ajaguna
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