quarta-feira, 17 de junho de 2015

ODÓ ati ỌMỌRÍ ODÓ – O Almofariz e o Pilão


(texto ampliado e revisado)



Àrírá ọ̀rún ò sán
àngó odó ò sán pẹ̀ẹ́

“O Trovão rebimbou no Céu e de repente
àngó rachou o almofariz”


Na linha de sacralização de objetos de uso litúrgicos dentro do culto as divindades do panteão iorubano estão o almofariz e o pilão. Palavras averbadas nos Dicionários Yoruba – Português de odó – o almofariz e mrí-odó – o pilão. Embora a maior parte do povo de santo apenas denomina esse conjunto de “pilão” ou “ódó”.

Para um melhor entendimento sobre o assunto, julgo necessário, a saber, que ambas as palavras, estão averbadas nos dicionários de Língua Portuguesa da seguinte forma:

Almofariz. s.m. Recipiente de pedra, metal, madeira, etc., em que se trituram e homogeneízam substâncias sólidas; gral, morteiro. 

Pilão. s.m. 1. Mão de almofariz, 3. Designação comum a diversos instrumentos que servem para bater, triturar, calcar, 6. Bras. Gral de pau rijo, usado para descascar e triturar arroz, café, milho, etc.



Neste artigo, daremos ênfase ao confeccionado em madeira, que por si só já possuí uma conotação sagrada, pois para este “nascer” uma árvore teve que “morrer”. Nossa religião apresenta-se ao mundo como um “culto ecológico” por excelência. Cada árvore pode ser o habitat de uma ou mais divindades, entidades, deidades ou até mesmo um “simples espírito menor”. Até em um insignificante galho de árvore pode ser a morada de um pequeno espírito que, do alto contempla o mundo moderno. Se cortarmos uma árvore ou mesmo um galho o que ali reside ficará sem sua casa.

O odó e o mrí-odó  para possuírem seus respectivos valores litúrgicos, devem ser sacralizados e consagrados com o Àṣẹ ti àngó, pois foi a Divindade que o criou, e dessa forma, recebendo o título de ba Ogodó Salugba, oriundo da frase O gún odó e “Ele que pila no almofariz”.

Ambos são venerados, não como um objeto de madeira entalhado, mas porque transmitem uma essência, além dos elementos comuns de sua materialidade. A madeira por si só “revelam o sagrado”, que se “manifesta” neles. O sagrado é alguma coisa que se manifesta, que se mostra como sendo uma realidade que pertence ao nosso mundo, mas que pode estar ligada a objetos que fazem parte do mundo profano, como no caso do próprio almofariz acompanhado de seu pilão, das gamelas, das estatuetas africanas como objetos decorativos, dos cepos cilíndricos, entre outros.

Este objeto sagrado feito apenas com determinados tipos de madeira, sendo em território africano, confeccionado apenas da árvore ãyán. Árvore da qual são talhados todos os objetos sagrados de àngó.



 Distemonanthus benthamianus 
Baill., Leguminosae, Caesalpinioideae  
nome popular ou comercial “movingui

Ambos os objetos, simbolizam as duas forças fundamentais: o almofariz representa o “pólo feminino”, enquanto o pilão representa o “pólo masculino”. O que se obtém destes dois é o terceiro elemento “O elemento criado, o elemento procriado”.

Importante acrescentar que o kùn – o leopardo é um animal real por excelência, representa o ba – O Rei, em contrapartida com o Erin Bònbò – O Poderoso Elefante, que precede o Leopardo, nas representações dos primeiros Aláàfin Ọ́yọ́. O elefante é a representação do rei depois da morte, a representação da metamorfose do rei para o animal. O almofariz e o pilão representam a encarnação do Elefante.

Odó mrí-odó são utilizados em dois principais espaços dos Terreiros, no Ilé Ìdáná – A Cozinha Ritualística, onde foi substituído pelo l mrí-l – pedra de moinho, onde na antiguidade eram triturados os grãos, sementes, tubérculos, camarões secos, entre outros.



Mas não pense que foi somente a Pedra de Moinho, que se faz ausente na Cozinha do Santo, o almofariz e o pilão, estão sendo substituídos pelos mais diversos utensílios do mundo culinário moderno.

Entretanto, sua maior utilidade encontra-se nas cerimônias realizadas no interior do Ilé Àṣẹ e Iyará Òá – lugares onde se realizam os ritos privados.

Arúgbó odó la fi n gún àṣẹ fun Òá

“Somente um velho e usado almofariz é usado para se pilar o àṣẹ de uma Divindade”



Artefato indispensável para extrair o sumo das folhas sagradas, onde são piladas para a elaboração dos complexos banhos ritualísticos a serem utilizado nos ritos de iniciação e de maior destaque quando da elaborada confecção do Òù  um tipo de amalgamado repleto de substâncias secretas, algumas in-natura, outras secas, algumas torradas, mas tudo isto reduzidos a pó por intermédio do almofariz e do pilão.

Ele serve de veículo para transmitir o Àṣẹ ti Òrìà a ser consagrado no futuro iniciado. O almofariz serve de sustento, de apoio, de alicerce, para o noviço, o futuro iniciado nos “mistérios do culto” senta-se sobre ele durante os ritos de iniciação. O futuro iniciado entra em contato direto com o sagrado manifestado no Odó.

Não somente pelo fato da Religião dos Iorubas no Novo Mundo terem sido reestruturadas no Culto dos Descendentes de Oyó, encontramos em antigas linhagens as seguintes menções:  

“Não se pode iniciar alguém sem a aprovação de àngó; Em todas as cerimônias religiosas da iniciação o Àṣẹ de àngó tem que estar presente”

Menções essas que só reforça a obrigatoriedade do uso do Odó mrí-odó e do edùn àrá pedras neolíticas, nos ritos de iniciação, o que reforça mais ainda, a concepção de muitos em dizer: ”àngó é o Rei de Nossa Religião”.


Baba Guido Olo Ajaguna

0 comentários:

Postar um comentário